Archive for 2012

CASAMENTO 2



Uma outra história que vale a pena ser contada

Durante seus estudos de medicina em Nagasaki, Takashi Nagai ficou hospedado na casa da família Moriyama. Esta família cultivava a fé desde o século XVII, no tempo dos mártires de Nagasaki. O testemunho silencioso da família Moriyama veio ao encontro das buscas interiores de Takashi que começava a descobrir o cristianismo depois de ler Pascal na universidade, quando já estava imerso no ateísmo. A convite da família ele participou de sua primeira Missa na Véspera do Natal de 1932.

Naquela noite, Midori, a filha única do casal Moriyama estava em casa e começou a sentir fortes dores. Takashi diagnosticou uma apendicite aguda e a levou em seus braços em meio a uma tempestade de neve até o hospital para ser operada às pressas. E esta foi a primeira de muitas vezes em que a vida de um esteve nas mãos do outro.

Desde que conheceu Takashi, Midori rezava por sua conversão. Em 1933, Takashi serviu o exército japonês como médico na guerra com a China e Midori lhe enviou um pacote que continha entre diversos itens de primeira necessidade alguns livros sobre a doutrina católica. Takashi voltou em junho de 1934 totalmente convertido à fé católica e quis fazer-se batizar, apesar da oposição de seu pai.

Tão terno vínculo de alma entre Takashi e Midori logo elevou-se a um laço de amor ainda mais íntimo e conforme a tradição japonesa de então o padre que batizou Takashi convidou seu padrinho para cumprir a função de nakodo, e organizar o casamento de ambos. Mas ainda havia um ponto que causava profunda preocupação em Takashi.

Takashi era médico radiologista e adotara a profissão por ideal. Naquela época, a operação de máquinas de raio X era extremamente arriscada e era comum que os profissionais da área morressem em poucos anos por conta da exposição aos raios gama. Para ele seu trabalho contribuía para o avanço da ciência e para que muitas vidas fossem salvas. Ainda que isto custasse sua própria vida. Mas ele precisava saber se Midori aceitaria.

Por meio do intermediário, Midori respondeu:

Será meu privilégio compartilhar do teu itinerário aonde quer que vá e aceitar qualquer coisa que passe em teu caminho.

Casados, Takashi e Midori tiveram situações difíceis. Os anos que se seguiram foram de crise econômica e o salário do médico não era suficiente para cobrir os gastos da família, a quem se juntara a viúva Moriyama e os dois filhos que vieram. Midori começou a costurar, plantar hortaliças e dar aulas de artes tradicionais japonesas, como arranjos florais, para ajudar na casa e garantir que seu marido se dedicasse inteiramente à pesquisa científica. Ela lia com entusiasmo todos os artigos que o marido publicava, mesmo quando não entendia bem alguns pontos.

Certo dia, depois de socorrer um paciente asmático, Takashi teve ele mesmo um ataque de asma e ficou caído na neve. Midori o acabou encontrando e ela mesma lhe aplicou uma injeção e o carregou para casa. E ela agora lhe devolvia o favor que lhe havia feito antes de se casarem.

Em junho de 1945, enquanto os EUA preparavam sua ofensiva final contra o Japão, Takashi recebeu a terrível e esperada notícia. Havia contraído leucemia e imaginava ter mais dois ou três anos de vida. Recebeu a notícia com serenidade, mas quando ficou a sós sua fé se abalou:

Senhor, tu sabes como sou fraco, não sei se poderei aguentar. Por que tão cedo Senhor? O que será de minha esposa e meus filhos? E o trabalho que deixarei sem terminar...(1)

Olhando para a máquina de raio X e vendo-a desgastada pelos anos de uso, esta mesma máquina que lhe ajudou a obter o doutorado, a salvar tantas vidas...sentiu paz. Ele também, como aquela velha máquina, havia se desgastado a serviço do próximo.

Mas como contar para Midori?

Chegando em casa, contou-lhe o ocorrido. Midori se levantou sem palavra, e ajoelhou-se aos pés do crucifixo que a sua família possuía há 250 anos. Takashi ajoelhou-se ao seu lado e notou que em silêncio ela se afogava em lágrimas. Depois, em paz, ela lhe disse:

Nós dissemos antes de nos casarmos e antes que você fosse pela segunda vez à guerra na China que se nossas vidas se gastam a serviço da glória de Deus, então a vida e a morte são belas. Você deu tudo que tinha para este trabalho e isto era muito importante. Foi para a glória dEle.

Takashi segurava suas lágrimas. Não por pena de si mesmo. Nem por compaixão por sua esposa e filhos. Mas lágrimas de gratidão. Gratidão por Midori. Naquele momento, narra ele em um dos seus livros, ele se sentiu diante do que é a santidade.

Quando ele retornou para o trabalho, se sentia como um homem novo, sem o menor receio ou culpa. Experimentava, diz ele, a liberdade que se sente quando se está fazendo a vontade de Deus. Ele tinha consciência de que sua morte provavelmente seria lenta e dolorosa, mas a certeza de que Midori estaria com ele, lhe cerraria os olhos e rezaria com ele em seus instantes finais lhe confortava.

Mas em agosto de 1945 o exército americano lançou panfletos sobre Nagasaki avisando sobre o ataque que se aproximava. Em 6 de agosto chegaram as notícias sobre Hiroshima. Takashi e Midori resolveram então enviar seus filhos para a casa em que a avó agora vivia, atrás das montanhas. No dia 8 de agosto, com os filhos em segurança, Takashi e Midori caminhavam juntos para o abrigo anti-aéreo. Ele se apoiava nela, já que a leucemia avançava. Conversavam sobre o que fariam para a Festa da Assunção de Maria que se aproximava e comentavam, rindo, de que como seria difícil para a avó cuidar dos netos sozinha...parece que enquanto estavam juntos é como se não houvesse guerra e nem dor.

Depois Takashi deixou Midori em casa e voltou para o hospital universitário em que trabalhava. Ele se recusou a ser dispensado de ficar de plantão para as emergências. No meio do caminho, lembrou -se de que havia esquecido algo. Ao chegar em casa surpreendeu Midori chorando descontroladamente, de joelhos. Ele nunca soube se ali a sós ela vivia sua própria fragilidade ou se antecipava de certa maneira o evento do dia seguinte.

No dia 9 de agosto por volta das 11h ocorreu o ataque nuclear a Nagasaki. Takashi estava em seu escritório e foi arremessado para debaixo de um monte de escombros. Depois de alguns minutos conseguiu locomover-se e, no meio da escuridão causada em pleno dia pela bomba atômica, tentava reagrupar os médicos para prestarem socorro às vítimas. Pouco podia ser feito, não sobrara praticamente nada do hospital e os feridos foram das dezenas às centenas em alguns minutos. Ele sabia que por ser conhecido por sua coragem e paciência era necessário permanecer ali para que os demais não se desesperassem e ao menos os pacientes pudessem morrer com alguma dignidade.

Somente 5h depois pôde se dirigir ao encontro de Midori. O bairro todo destruído. A catedral católica em cinzas. Midori havia morrido, certamente havia morrido... Por conta de uma hemorragia no peito, devido a um ferimento que sofreu na hora da explosão, Takashi desmaiou. Foi levado a um hospital e somente dois dias depois, quando o exército japonês já havia chegado e tomado conta da situação, pôde voltar até sua casa.

Chegando, encontrou um pequeno objeto negro, eram restos carbonizados, em que pouco se podia divisar: um crânio, a coluna vertebral e a pélvis. Midori. Era agora necessário dar-lhe um enterro digno.

Enquanto chorando recolhia os restos da esposa, pode notar, entre os restos carbonizados de sua mão direita, ainda que numa confusa massa fundida, o crucifixo e as contas do Rosário com que tantas vezes a tinha visto rezar. Midori morreu em oração.

Querido Deus, obrigado por ter-lhe permitido morrer rezando. Mãe das Dores, obrigado por ter estado com Midori na hora de sua morte. Ó bondoso Jesus, Nosso Salvador, Vós suastes sangue e carregaste vossa pesada cruz até o lugar de vossa crucifixão, e agora derramastes uma luz aprazível sobre o mistério do sofrimento e da morte: a de Midori e a minha também.

Depois de enterrar os restos de Midori, voltou para o lugar do que antes fora sua casa. Esgotado pela leucemia e pela hemorragia, desmaiou novamente. Acordou de madrugada e logo viu Vênus, a “estrela da manhã”, título que os cristãos dão à Virgem Maria por anteceder o verdadeiro sol, que é Jesus, e impelido interiormente, se pôs de joelhos e rezou o terço. Levantou-se fortalecido interiormente e pronto para fazer o que Deus quisesse antes que fosse a hora de cruzar a morte e reencontrar Midori.

Mas apenas um mês depois Takashi caiu doente por conta da radiação. A ferida no peito começou a apodrecer e a sangrar novamente, febres constantes de 40º C, inchaços por todo o corpo, palpitações e ele conhecia bem os sintomas que tratava todos os dias em seus pacientes. Entrava e saia do coma. Em um dos comas ouviu uma voz, que nenhum dos que o acompanhavam ouviu, que lhe dizia: “pede ao Padre Maximiliano Kolbe que ore por ti”. 

Takashi conheceu o Padre Kolbe durante a sua estadia no Japão. Àquela altura o Padre Kolbe já havia sido martirizado em um campo de concentração (2) mas Takashi não tinha como saber disso. Depois deste episódio a ferida no peito se fechou e ele recuperou a saúde até perdê-la novamente no ano seguinte, quando passou a ter que ficar acamado. Takashi Nagai viveu ainda 6 anos em que escreveu cerca de 12 livros sobre suas experiências, a guerra e a doença nuclear. Morreu jovem, aos 42 anos.
No epitáfio de Midori lê-se “eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra” e no dele “somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer”.

Takashi Nagai está em processo de beatificação, tendo sido declarado servo de Deus pela Igreja Católica.

(1) Segundo a autobiografia de Takashi Nagai  - Horobinu Mono Wo
      (2) Pode-se ler sobre o Padre Kolbe neste post:

O texto é baseado no trabalho de um padre das equipes de Nossa Senhora que atuou no Peru e nos EUA chamado "Matrimonios Santos: los santos casados como modelos de espiritualidad conyugal", com alguns exemplos de santos casados. O material chegou para mim sem a assinatura do padre, portanto não tenho o nome, mas posso enviar por email a quem desejar.


CONVITE:





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CASAMENTO.


Uma história que recebi de um amigo e que vale a pena ser contada.

Natália nasceu por volta do ano 825, tempo em que a divisão entre os cristãos ainda não tinha tomado os contornos trágicos de hoje. Espanhola de Córdoba, filha de pais muçulmanos, durante a dominação islâmica na Península Ibérica. Ela conheceu o cristianismo quando sua mãe viúva se casou novamente, desta vez com um cristão, o que acabou contribuindo para a conversão das duas. Natália se tornou cristã e passou a viver secretamente a nova religião até conhecer um rapaz, Aurélio, que também vivia na mesma condição. Os dois se casaram e tiveram duas filhas. Eram uma família relativamente abastada e com certa importância na sociedade da época e se faziam passar por bons muçulmanos às vistas dos outros, enquanto em casa vivam como bons cristãos. Ao que parece, eram uma família relativamente feliz.

Salvo pela tensão que pairava constantemente sobre essa cidade por conta das divergências entre cristãos e muçulmanos, a vida seguia próspera e tranquila para o jovem casal. Até o dia em que um evento colocou em cheque a vida ambígua que levavam. Aurélio presenciou a morte de um cristão acusado de blasfêmia. Ao que parece, Aurélio era relativamente próximo do assassinado e acompanhou de perto o ocorrido. Aurélio não pôde fazer nada e lhe causava enorme constrangimento o fato daquele homem ter sido morto por ter professado publicamente que era cristão, enquanto ele viva uma fé confortável e secreta.

Aurélio começou a se questionar se não havia sido covarde, deixando um inocente morrer assim. Era muito cômodo para ele fazer-se passar por muçulmano, levar uma vida financeira confortável e secretamente levar uma vida cristã para apaziguar sua consciência. Mas agora tinha se tornado demasiadamente claro que aquele sistema que lhe trazia conforto era o mesmo que matava inocentes. Ele tomava consciência que era um dos carrascos do sangue daquele homem.

Nunca poderemos saber ao certo o que se passava no coração de Aurélio, e o que coloquei acima não passa de elucubrações,  possibilidades, sabe-se que um profundo sentimento de repulsa à covardia tomou conta dele e que para ele a situação em que vivia havia se tornado insustentável.

Aurélio expôs seus sentimentos a Natália e os dois começaram a se perguntar como deveriam viver. Com duas filhas pequenas era arriscado demais se expor, correndo o risco de perder a vida e de perder a vida de suas filhas. Por outro lado, viver assim era ser cúmplice de tragédias como a que havia ocorrido. Além do mais, era uma fé profundamente contraditória: como crer no Deus que se entregou ao ponto de morrer por Amor a nós, no Deus que foi injustamente flagelado e morto quando tudo o que queria era salvar os seus e agora negar sua amizade por aquele homem que pelo mesmo Amor havia entregado sua vida?

Natália e Aurélio começaram então a pedir forças e discernimento a Deus. Retomaram e reforçaram práticas que os cristãos ensinam desde a Antiguidade: a oração, o jejum, a esmola e a leitura de livros espirituais. E depois de um razoável período vivendo assim, auxiliando secretamente cristãos encarcerados e vivendo intensamente os seus momentos oração, chegaram à conclusão de que não havia outra solução que não fosse a profissão pública de sua fé.

E o que fazer com suas filhas? E se lhes acontecesse algo? Sob os conselhos de um cristão encarcerado que auxiliavam, que depois veio a ser conhecido por Santo Eulógio, resolveram enviar suas filhas para um lugar seguro, onde pudessem receber uma sólida formação cristã. Enviaram-lhe os bens que achavam necessários e doaram o resto aos pobres. E passaram a rezar com cada vez mais fervor, pedindo forças a Deus para fazerem o que fosse necessário.

Certa noite, Natália teve uma visão. Viu duas mulheres vestidas de branco com flores nas mãos e rodeadas de luz. Estas lhe diziam que eles, juntamente com outro casal deveriam se preparar para o martírio, e que a eles se juntaria um monge vindo de terras distantes. O outro casal era Félix e Liliosa, parentes que, inspirados pelo exemplo de Aurélio e Natália, buscavam viver a sua fé de forma mais plena e verdadeira.

Por mais estranho que possa parecer, mas como sempre ocorre na vida dos homens e mulheres santos – lembrando que santos são aqueles que souberam amar a Deus e aos irmãos com o mesmo Amor de Nosso Senhor Jesus Cristo - a visão encheu os quatro de ânimo.  Era de se esperar que ficassem aterrorizados, afinal significava que de fato iriam morrer. Mas Aurélio e Natália pela prática da oração e da caridade e pela força e sabedoria que Deus ia lhes concedendo ao longo desse tempo já estavam tão cheios de Deus e era tão grande a certeza deles de que iriam se encontrar com o Senhor, que já não tinham medo de nada.

Era certo para eles que depois desta vida iriam para aquele lugar misterioso e que não é físico que chamamos de Céu ou Paraíso e que ali estariam em paz e com Deus. O mesmo paraíso que Nosso Senhor prometeu ao ladrão para o mesmo dia de sua morte (1), antes da ressurreição final dos mortos.

Mas, apesar da confiança de Aurélio e Natália, não havia nenhum sinal de um monge vindo de terras distantes. Até que no ano de 852, um monge de nome Jorge chegou a Córdoba, buscando recursos para seus irmãos do mosteiro na terra santa de onde viera. Tamanha era a fé que Aurélio já possuía que quando Jorge o conheceu também se sentiu inflamado do desejo de doar toda a sua vida a Cristo se fosse necessário. E nesta noite Natália teve outro sonho, via o monge Jorge envolto numa nuvem de perfumes deliciosos.

Uma vez que se cumpriu o sinal que havia sido profetizado na visão de Natália, os quatro se puseram então a pensar como manifestariam publicamente sua fé.  Em um dia de julho de 852, Aurélio foi à casa de Santo Eulógio se despedir e pedir suas orações. Naquele mesmo dia, Natália e Liliosa retiraram o véu que cobria suas cabeças e acompanhadas de seus maridos foram à Basílica à vista de todos. Perguntados por que agiam assim, responderam: porque somos cristãos.

Nada aconteceu num primeiro momento, mas pela noite foram sequestrados pela polícia que os levou ao juiz. Este tentou de todas as maneiras evitar que fossem condenados à morte, fazendo-os negar sua fé. Mas eles se mantiveram firmes. Os quatro foram presos e narra-se que durante esse período vários fenômenos foram presenciados pelos carcereiros como luzes, vozes, visões e o prodígio das algemas se abrirem, como ocorreu com São Pedro, conforme é narrado nos Atos dos Apóstolos (2).

Por fim, no dia 27 de julho, o alcade, ou prefeito da cidade, tentou mais uma vez fazê-los desistir, negando publicamente a fé e como isso não aconteceu foram degolados os cinco: Aurélio, Natália, Félix, Liliosa e o monge Jorge.

Santo Eulógio, que foi testemunha dos fatos e por quem nos chegou essa narrativa diz daqueles casais que “belos e amáveis são os santos de Deus, amaram-se docemente durante a vida e não quiseram separar-se durante a morte”.

Esta história nos chama a atenção em diversos aspectos. O fato dos carrascos terem sido muçulmanos é apenas um acidente histórico e não nos deve chamar a atenção, sabemos por diversas histórias de outros santos que muitas vezes os carrascos foram os próprios católicos. Também não devemos ter o martírio como meta de vida religiosa, isso seria um absurdo para seguir o Deus que é o Deus da vida e não da morte. Esta é uma situação rara, um dom de Deus que concede forças e sabedoria, mas não deve ser procurado em si mesmo. Grandes Santos como Santo Antônio queriam fazer-se mártires e Deus não o permitiu. O martírio deve ser visto apenas como uma medida da radicalidade com que se entregaram a Deus.

Chama a atenção a gravidade que Aurélio enxergou na covardia. E hoje, quantas vezes deixamos que homens e mulheres inocentes sejam difamados publicamente sem fazer nada. Muitas vezes, e infelizmente muitas vezes dentro da Igreja, porque discordamos de 3 ou 4 pontos irrelevantes de alguém, deixamos que o maltratem e preferirmos nos unir aos carrascos, rindo de uma vítima inocente, a enfrentar a opinião pública para fazer justiça. Os Salmos falam diversas vezes sobre o justo que é difamado e que seu socorro vem do Senhor, devemos esperar o nosso próprio socorro do Senhor, mas devemos ainda, como falam os mesmos Salmos, o Evangelho e toda Tradição, socorrer aos nossos irmãos, amigos e a todas as pessoas que injustamente forem assim ofendidas.

Outro ponto que também entra em choque com a opinião pública corrente é o fato de Aurélio e Natália terem preferido ver suas filhas sem os pais a deixá-las sem uma verdadeira educação cristã. Eles tinham plena consciência que o melhor que poderiam deixar para suas filhas era uma fé autêntica, segura. E pagaram um alto preço por isso. Hoje em dia, em que a conveniência determina boa parte do nosso comportamento, devemos nos deixar iluminar pelo exemplo desses santos que tinham excelentes motivos para não viverem e não declararem publicamente sua fé: poderiam dizer que necessitavam manter a carreira para poder manter o padrão de vida dos filhos, ou ainda que deveriam proteger seus filhos da violência. Mas preferiram a verdade à conveniência.

Podemos ainda notar que muitos outros católicos naquela mesma cidade e naquele mesmo ano preferiram a conveniência. Como repetidamente acontece ao longo da história, é triste ver como se cumpriu tantas e tantas vezes a profecia que diz “este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (3). Por outro lado, esse fato mostra que para compreendermos a fé e os frutos que ela gera no coração do homem, como no caso destes mártires de Córdoba, não podemos considerar a média do pensamento de uma época, pois a média, raro algumas exceções, é infiel. Para compreender o verdadeiro efeito da fé na alma humana é preciso observar a pequena comunidade dos santos, daqueles que efetivamente a aplicaram em suas vidas(4).

E por fim, é interessante nos determos sobre o ato de “desobediência civil” de Natália e Liliosa: descobrir a cabeça. Fala-se muito da emancipação feminina. Sem dúvida que um melhor tratamento das mulheres, ao menos em certos aspectos, é uma das grandes conquistas do século XX. Mas por que desobedecer, resistir? Natália desobedeceu ao sistema de leis e costumes vigentes em Córdoba no século IX não somente para afirmar sua total independência a um sistema opressor, mas também para dizer que há um sistema de leis superior a este, que verdadeiramente governa e liberta o homem. Que a Revelação que recebemos, guardamos e professamos de que há um Deus e que Ele é Amor vale mais do que a nossa própria vida. Ela entregou-se à morte para que suas filhas pudessem obedecer essas leis livremente.

No mundo em que tantos preferem a conveniência, é preciso encher-se de ânimo e lembrar-se da dignidade e da grandeza que a vida humana pode alcançar quando se deixa levar pelas inspirações da graça, como a destes cinco “consagrados” que entregaram suas vidas, quatro esposos e um religioso. E para podermos viver esta realidade pelo menos em uma pequena medida do que viveram Aurélio e Natália, talvez nos valha aprender do exemplo deles, começando com os mesmos passos singelos que deram inicialmente: a oração, o jejum, a esmola e a leitura de bons livros, livros de pessoas melhores que nós e que nos inspirem.

(1)    Lc 23,43
(2)    At 12,7
(3)    Is 29,13 e Mc 7,6
(4)   Sobre a necessidade de se compreender o Evangelho pela vida dos santos há um pequeno trecho a este respeito em “Jesus de Nazaré – Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição” de Bento XVI

   O texto é baseado no trabalho de um padre das equipes de Nossa Senhora que atuou no Peru e nos EUA chamado "Matrimonios Santos: los santos casados como modelos de espiritualidad conyugal", com alguns exemplos de santos casados. O material chegou para mim sem a assinatura do padre, portanto não tenho o nome, mas posso enviar por email a quem desejar.

É IMPORTANTE RESSALTAR QUE HÁ CONTROVÉRSIAS ACERCA DA NECESSIDADE DOS CRISTÃO DESSA ÉPOCA SE EXPOREM AO MARTÍRIO E SOBRE A FORMA QUE OS CRISTÃOS DE CÓRDOBA SE COMPORTARAM DIANTE DA DOMINAÇÃO MUÇULMANA QUE FOI RELATIVAMENTE TOLERANTE COM O CULTO CRISTÃO, SEM PROIBI-LO










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UMA BREVE CRÍTICA À MARCHA DAS VADIAS


Breve mesmo.

Para quem não acompanhou pode-se ver um pouco sobre a marcha aqui (1) e sobre seu incidente com a Igreja Católica aqui (2).

É interessante que a marcha defende a liberdade feminina  ao mesmo tempo em que promove uma forma de se vestir que é o sinal da submissão feminina como objeto de desejo masculino. Uma marcha sobre “a liberdade de se vestir como se quer” seria algo como a Marcha do Moletom, e não esta. Mulheres de pijama, sem maquiagem e com roupas folgadas pedindo respeito e solidariedade a todas as mulheres, inclusive nos temas graves como a violência doméstica e sexual.

Mas da forma como foi, a marcha agradou aos homens (machistas).

Para mim soou tão contraditório quanto uma marcha de escravos ostentando as algemas para dizerem que são livres, gritando que usam as algemas quando querem.


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Legião Urbana, Jejum e Pecado


Subsídios para a quaresma

Eu penso que ficar procurando sentido em letras de música é um pouco como olhar desenho em nuvens. Cada um acaba achando o que quer e muitas vezes com mais propriedade que o autor, rs. Mas como minha irmã artista diz que o espetáculo vale pela impressão que ele nos causa, bem, aí segundo esse conceito posso falar do desenho que eu vi nas nuvens. Renato Russo não foi propriamente um exemplo de cristão, mas acho interessante ele ter em diversas músicas tocado em alguns temas profundamente católicos, a ponto de saber, inclusive, cantar o Cordeiro.

Não há como negar o impacto da Legião nos jovens da década de 80 e começo da década de 90 e mesmo ainda hoje, depois da morte de Renato Russo. Ele conseguiu ser a voz de uma juventude brasileira metropolitana que estava começando a se formar, conseguiu expressar bem seus dramas existenciais. E convenhamos, com bastante propriedade: “somos filhos da revolução, somos burgueses sem religião, somos o futuro da nação, geração Coca-Cola”. Pois é, o futuro chegou e Renato acertou.

Para mim, algumas letras tocam no ideal de leveza e simplicidade que tenho como profundamente cristãos: a alegria do convívio, a fidelidade, a cumplicidade. Cito por exemplo as letras de Descobrimento do Brasil, Giz, O Mundo Anda Tão Complicado e outras que no final reservam uma ideia de redenção como Perfeição. Claro, outras tantas não passam nem perto desses temas.

Já em Monte Castelo, o tema cristão é evidente, trata-se de Coríntios 13 cantado. Não se pode dizer que Renato Russo fosse católico – na verdade desconheço sua posição religiosa – e nem que ele cantasse como um cristão convicto. As músicas carregam muitas vezes um tom melancólico, bem distante da convicção serena e alegre dos que verdadeiramente creem. Mas tocam, ainda que na superfície, em importantes temas católicos.

De qualquer maneira, é interessante o fato de que os ideais cristãos estejam ali. Lembro-me de quando li o testemunho de Elizabeth Dodd, uma jovem wicka que se converteu recentemente ao catolicismo (1), ela mencionava que uma das coisas que atraiu sua curiosidade para o catolicismo era o fato de que em filmes de terror feitos em países não-católicos, os exorcistas ainda assim eram todos padres. Como se no imaginário coletivo, para se referir a uma luta entre o bem e o mau por excelência fosse necessário um demônio medieval e um padre paramentado.

E assim me chama a atenção o fato de temas católicos terem aparecido também em músicas populares. Os símbolos católicos e a história da Igreja, apesar de enormemente deturpada (o que não quer dizer que não existam graves erros dos católicos ao longo da história) ainda exerce uma forte influência cultural, mesmo que velada.

E há uma música em particular da Legião Urbana que gosto muito, Metal contra as Nuvens que acho que permite, com as reservas já colocadas acima, um paralelo entre a letra e um aspecto da vida na fé. Metal contra as Nuvens é pouco conhecida fora do círculo dos fãs da Legião, é muito longa, tem 11 minutos. Talvez valha a pena conferi-la aqui: http://www.youtube.com/watch?v=40A4fhCTSqs para poder acompanhar o resto deste post.

A música fala de um cavaleiro medieval cansado que foi enganado e se sente desiludido. A música começa com uma melodia melancólica, passa para um momento de ira em que o personagem se dirige com ódio àqueles que o traíram, depois há um momento de drama em que o personagem como que recupera sua energia para enfrentar novamente seus traidores e termina em um tom leve, alegre e esperançoso.

O que me atrai nesta música é o fato de poder, pelo menos penso assim – lembremos que aqui estamos falando do meu desenho nas nuvens – associá-la à ascese cristã, à luta contra o pecado, este mau, esta gravidade que sempre nos arrasta para baixo. E aqui é interessante pensar no pecado não tanto quanto crime, mas mais como enfermidade, doença. Um mau que se não for curado leva à nossa autodestruição e a destruição de nossos próximos.

O mau é um bem aparente já dizia Santo Agostinho e nosso primeiro ato quando pecamos é cair em uma profunda ilusão.

O filme “As Crônicas de Nárnia”, na verdade uma excelente catequese católica, mostra bem este ponto quando apresenta um dos personagens, Edmundo, traindo seus amigos em troca de um manjar que na verdade não passava de um pedaço de neve. De fato, o pecado, o mau, é apenas um pedaço de neve que se derrete ao sol, prazer passageiro que tomamos como se fosse um manjar.

E podemos fazer um paralelo que é bastante polêmico para a sociedade contemporânea, a relação entre sexo e pecado.  Não ignoro que muitas pessoas, mesmo vivendo fora da castidade e do casamento cristão caminham na direção de uma relação de entrega plena e de fidelidade, como uma espécie de “casamento de desejo”, para fazer um paralelo com o “batismo de desejo” de São Tomás, pessoas que desconhecendo o ideal do casamento cristão, o vivem quase que plenamente, embora sem saber.

Mas também não ignoro que esses casos são raros e que muitos dos que querem se classificar na condição acima muitas vezes estão apenas procurando justificativas para seus erros, e aqui falo somente para católicos praticantes.

Por que o sexo fora das muralhas do casamento seria pecado, se é apenas prazer e cumplicidade? Mas na nossa sociedade extremamente erotizada não é justo perguntar também se em muitos casos (e não em todos é verdade) sob a aparência de cumplicidade não não há apenas falta de autodomínio, e o sexo é assim  não uma expressão da vontade, mas apenas da fraqueza de ceder a um instinto? Ou ainda a ausência de comprometimento? Pois se há amor, por que não pode ser manifestado com um gesto público e solene, como merece um compromisso de entrega mútua?

Claro, sempre há exceções, como aqueles que caminham nessa direção, mas ainda de forma imperfeita ou fraca. Ou ainda traumas e marcas que a vida deixa que levam algumas pessoas a desprezar ou mesmo a ver como excessivamente desafiadora a virgindade. Tão pouco pretendo me colocar como referência nesse assunto. Quero sim tratar de um tema que está no centro de nossa vida e que é importante para nossa felicidade. Nesta terra e na futura.

Mas se não há essa entrega, não há compromisso, o que há então? Dois seres humanos usufruindo dos corpos um do outro por puro prazer (quer sejam casados ou não)? Será que a medida de todas as coisas deve ser o sexo? Ou o amor, que vai infinitamente além deste? E o que será quando a vida me pedir autodomínio, quando chegar a doença, a velhice ou as dificuldades do dia-a-dia? Um amor que se confundiu com vício será capaz e sobreviver a estas provas?

Mais cedo ou mais tarde este lapso, se não remediado, irá cobrar o seu preço, basta ver como nossa cidade está cheia de pessoas confusas, afetivamente imaturas e infelizes, embora sexualmente muito ativas.

Obviamente não basta controlar-se sexualmente para ser considerado santo, “há muitas almas virgens no inferno” já dizia um certo santo, Santo Agostinho acho. Dizia ainda que se podem achar muitas almas que não foram castas no Céu, mas com certeza nenhuma orgulhosa. E o orgulho é, por sua vez, outra ilusão.

Se não nos confrontamos honestamente com o ideal cristão e a vida dos santos, por medo de perder uma suposta autonomia intelectual em que eu mesmo faço meus critérios, e aqui falo somente aos católicos praticantes, enganando-nos a nós mesmos, corremos o risco de ir para o inferno por não termos tido coragem de olhar para o Céu. A verdadeira autonomia é procurar respostas e quando encontra-las viver de acordo com elas. Há quem queira ficar eternamente em dúvida por medo do que as respostas possam lhe pedir.  Mas é a verdade que nos libertará. E Deus é bom, está é a verdade.

A humildade é a primeira das virtudes. Reconheçamos nossos próprios erros ao invés de justifica-los. Pois, e esta é uma das coisas mais belas da fé católica, estamos todos a apenas uma confissão do Paraíso. Não se pedem atos heroicos, e nem um grande sacrifício, nem mesmo uma mudança de vida perfeita e instantânea – o que seria desumano, se pede apenas o desejo sincero de recomeçar.

Bem, voltando à música.

O refrão de Metal contra as Nuvens “Eu sou metal/ raio, relâmpago e trovão/ Eu sou metal/ Eu sou o ouro em seu brasão”, é uma bonita autoafirmação de um homem que diante de uma situação adversa se lembra da sua própria dignidade. E aqui também vejo um belo paralelo entre a música e nossa ascese de cada dia para lutar contra nossos próprios pecados. É preciso recuperar aquele brio que tinham os primeiros cristãos e que têm os santos. Diante do pecado que quer nos rebaixar devemos lembrar que somos uma raça de “sacerdotes, profetas e reis”, de homens livres, que não aceitam ser escravos.

Quantas mulheres hoje aceitam que todos os homens são infiéis e que a vida é assim mesmo? Quantos homens aceitam passivamente o jogo político e de interesses em cada local de trabalho deste país e aceitam isso como natural? Não podemos aceitar viver assim.

E diante dessas mentiras sobre a natureza humana, apresentada cada vez mais como mais decaída, devemos erguer nossa voz interior e nos lembrar da dignidade de Nosso Pai, do que somos realmente feitos e a que preço fomos salvos. Eu não posso aceitar que os casais briguem de vez em quando e isso seja normal. Não posso aceitar que me sinta atraído por todas as mulheres que passem na rua e considerar isso normal (desde que meus pensamentos não venham a público), não posso aceitar deixar que um colega de trabalho seja injustiçado porque essas coisas são assim mesmo...

Tendo consciência que de fato existe um Deus, e que Ele se fez homem em Jesus Cristo Nosso Senhor, quero amar minha esposa de todo coração e ser paciente e sereno, quero ser leal aos meus amigos, corajoso, destemido e quero ser casto no mais íntimo dos meus pensamentos. Sabendo que o homem é de tal maneira amado por Deus e que por causa dEle sua dignidade é infinita, não podemos aceitar ser uma criatura caprichosa, frívola e inconstante. Devemos nos revoltar contra essas afirmações.

E é importante lembrar que o desejo de perfeição, de santidade, não significa santidade. E o desejo de perfeição deve crescer na mesma medida em que crescemos em misericórdia para com os outros e para conosco mesmos. Do contrário, apontando na direção do amor seríamos carrascos uns dos outros, o que é totalmente absurdo para a lógica de um Deus que morreu por amor a nós, quando estávamos todos (e ainda estamos) no pecado, quando nem sequer o conhecíamos. Morreu apenas pela vaga possibilidade de que fôssemos salvos, morreu por amor somente, sem garantias de que seria amado.

E voltando à música novamente, outro verso que acho particularmente forte é quando na parte mais dramática da música o personagem canta “não me entrego sem lutar/ tenho ainda coração/ não aprendi a me render/ que caia o inimigo então”. O cristão não é um homem passivo. Tão pouco um submisso, ou pior ainda, um desiludido melancólico. É um violento (no sentido evangélico do termo, claro), um revolucionário (no sentido deste texto, claro de novo, rs), alguém que não se submete às leis deste mundo, que tendo mil vezes caído no mesmo pecado, mil e uma vezes se levantará, pois não aceita, não se rende. Não se submete às leis do pecado, embora possa muitas vezes ter sido feito cativo por elas.

Eu me lembro das muitas vezes em que me vi prostrado pelos meus próprios pecados. Lembro que muitas vezes a única coisa que me movia adiante era não aceitar que a história terminasse assim. Como alguém que viu o Senhor pode agir tão mal assim?  Me perguntei isso muitas vezes. Tem sido um longo aprendizado. Vejo na vida de muitas pessoas e na minha também que Deus tem vencido, que não nos abandona à nossa própria sorte e que ao menor sinal de perseverança Ele nos cumula de todas as dádivas e bênçãos, o esforço que Ele nos pede é infinitamente pequeno em relação ao bem que nos dá.

Mas o que gostaria de ter ouvido ainda adolescente é que não se deve ter medo de lutar contra o pecado. O pecado é um assassino, um estuprador, um mentiroso que não nos traz bem nenhum e é preciso voar sem medo e ir de corpo inteiro ao seu embate, com coragem, certos da vitória, com a espada em riste, pois a única possibilidade de derrota que temos nesta batalha é não lutar.

E concluindo com a música:

“E nossa história não ficará, pelo avesso assim, sem final feliz. Teremos coisas bonitas para contar. E até lá, vamos viver, temos muito ainda por fazer, não olhe para trás, apenas começamos. O mundo começa agora. Apenas começamos”.

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Família II


Ainda vivendo o tempo do Natal em que celebramos a Sagrada Família e a festa de “Maria, Mãe de Deus” pode ser interessante nos perguntar: hoje, para que serve um homem dentro de casa?

O movimento feminista trouxe grandes mudanças para a vida das mulheres nos últimos 40, 50 anos. Mas não só para a vida das mulheres, a vida dos homens, principalmente no seio das famílias, também se alterou sensivelmente. Se olharmos os mais diversos indicadores socioeconômicos, veremos que nas últimas quatro décadas o padrão de vida das mulheres melhorou consideravelmente (1). Entretanto, se olharmos, os indicadores de felicidade das mulheres, veremos que elas se encontram mais infelizes do que no passado. Este paradoxo é conhecido como o “paradoxo do declínio da felicidade feminina” (2). Este fenômeno amplamente estudado em economia é desconhecido do grande público e contrasta com a opinião geral apresentada pela mídia.

E acredito que aqui é onde o impacto gerado pela mudança de comportamentos das mulheres se entrelaça com as mudanças ocorridas entre os homens.

Podemos conduzir essa discussão levados apenas por uma certa curiosidade sociológica, ou ainda imaginando diferentes cenários para os papeis que homens e mulheres devem desempenhar na família de difícil experimentação. Mas não penso nessa direção. Tento responder à pergunta que me faço muitas vezes: como melhor servir à minha esposa e minha filha? O que cabe a mim, como homem, prover para as pessoas que amo?

É comum as propagandas dos dias das mães ou do Dia Internacional da Mulher enaltecerem o fato das mulheres fazerem tudo o que fazem os homens (e obviamente não há nenhum mal nisso). A tal ponto que hoje me pergunto se o homem não seria apenas uma mulher que não engravida,rs. Pensando nessa direção, inevitavelmente chegaríamos à conclusão de que os homens seriam apenas supérfluos e que num futuro distante de ficção científica poderiam ser simplesmente suprimidos, rs. E aí a humanidade estaria liberta de toda forma do machismo e de toda opressão milenar dos homens contra as mulheres, rs.

É bastante absurdo pensar assim. Mas será que conseguimos achar realmente um argumento convincente para não pensar assim? Pois para que possamos contra-argumentar, necessitamos então dizer em que o homem é necessário e que ele tem uma missão particular dentro da sociedade, mas é curioso perceber como somente por levantar estas questões, muitos de nós, homens por volta dos seus 30 anos, já nos sentimos machistas.

Uma das hipóteses levantadas pelos pesquisadores sobre o declínio da felicidade feminina nas últimas décadas é a sobrecarga emocional que as mulheres têm sofrido depois de sua emancipação econômica. No modelo familiar tradicional, que perdurou até os anos 60, os homens eram responsáveis por prover financeiramente a casa e dar-lhe segurança ao passo que cabia às mulheres o governo das relações familiares e a economia doméstica.

No novo modelo que vivemos, as mulheres acumularam às suas responsabilidades a corresponsabilidade pelo provimento da casa. Entretanto esta sobrecarga não se explica pelo acúmulo de jornada dupla – o que também é um fato seja nos países em desenvolvimento, seja na Suécia ou na Noruega – segundo os pesquisadores, pois se olharmos o total das horas trabalhadas, veremos que as mulheres trabalham consideravelmente menos que seus pares da década de 60. É uma sobrecarga emocional. Curiosamente, a felicidade dos homens, lembrando que neste texto falamos de felicidade como um índice de satisfação sem grandes considerações teóricas, tem aumentado.

Me pergunto se parte desta crescente insatisfação feminina não se deve ao fato de nós, homens, não estarmos fazendo nossa parte.

Mas qual é a nossa parte? Se olharmos para as décadas anteriores, muitas vezes encontraremos apenas o arquétipo do homem caçador, provedor de segurança, que fazia muito sentido e era extremamente útil numa sociedade rural (é importante notar que foi somente nesta década que a população urbana alcançou a população rural), mas não faz muito sentido na nossa vida metropolitana de hoje. Já o modelo vigente, em que o homem é muitas vezes apenas um apêndice romântico da mulher, que carrega as compras e diz palavras doces, mas que deixa para a mulher todas as decisões difíceis da vida, também não me parece um ideal que corresponda à nossa natureza.

Acho que para tentar lançar luzes sobre essa questão pode ser muito válido olharmos para a figura de São José.

O primeiro ponto que me chama a atenção na figura do Santíssimo José é que nele vemos que autoridade não se confunde com protagonismo. É a Virgem Maria, a Imaculada, a Mãe do Salvador, que estará aos pés da Cruz no momento mais dramático da história da Salvação e será Ela que irá conferir unidade e segurança à Igreja nascente antes do Pentecostes. Não temos como dizer que Ela não seja protagonista na história de Nazaré, não há como dizer que Ela ocupava na família uma mera posição de auxiliar, de assistente, de subjugada.

Entretanto, mesmo sendo clara a missão particular da Virgem Maria, quis Deus que fosse José responsável por ela. E é nisso que se resume a autoridade de José, responsabilidade por Maria, protegê-la e servi-la, para que ela cumprisse sua missão, que sendo os esposos um só coração, é missão de toda família.

José soube decidir sob condições difíceis, confusas. Muitas vezes nos vemos em situações em que não compreendemos a vontade de Deus, em que aquilo que Deus nos apresenta parece contraditório. Mas que contradição pode ser maior do que a que viveu José ao receber Maria grávida depois da visita à Isabel? Como elaborar interiormente este fato? A contradição, a confusão e a angústia porque passou José devem ter sido terríveis. Como a criatura mais bela de Deus, a mais bela e encantadora das mulheres que ele havia conhecido aparece assim, de repente grávida? E as alegrias que ele antevia no casamento, o respeito, a admiração por Maria? E o respeito por Deus, que afinal de contas tinha colocado Maria em seu caminho? Que contradição terrível!

Me chama a atenção o fato de José não ter fugido de tomar uma decisão. E não ter abandonado a Deus. Diante de duas coisas aparentemente contraditórias: a santidade evidente de Maria e o fato dela estar grávida, ele escolheu não denunciá-la, para não punir aquela que de uma forma que ele não compreendia, parecia ser inocente. Por outro lado, não aceitou ficar com Maria, pois não seria justo nem segundo a Lei e nem segundo os Profetas conviver com uma mulher sob uma incerteza tão grande e a possibilidade de uma traição tão gritante.

Quando o anjo aparece em sonho a José dizendo “Não temas receber Maria...” é importante meditarmos sobre o que José não deveria temer. José não deveria temer ofender a Deus, era esta sua preocupação. Ele temia começar uma casa sob pecado. E José foi tão fiel ao mandamento de amar a Deus sobre todas as coisas, que teve dúvida em conviver com a mulher mais encantadora que já existiu por medo de ofender a Deus...e quantos de nós aceitamos viver situações de evidente pecado por simplesmente não controlarmos nossos instintos!

José nos lembra da dignidade de cada homem, imagem e semelhança de Deus. Uma dignidade elevada, mas que não se faz orgulhosa, nem arrogante. Isso também se percebe quando precisou levar a família de Nazaré para o Egito. Aqui duas coisas me chamam a atenção: primeiro o fato dele, descendente da nobreza de Israel se submeter a levar seu filho para a terra em que seus antepassados foram escravos. Que contradição! Se seu filho vinha para ser um grande rei e restaurar o trono de Davi, como entender então sua situação de humilde carpinteiro fugindo para o Egito, a terra dos escravos! Mais uma vez contradição, mais uma vez decisão, mais uma vez destemor.

Outro ponto é o fato de o anjo ter ajudado a José. Mesmo sendo ele o responsável pela Sagrada Família, mesmo sendo um homem de grande valor, era limitado. Não podia prever todas as situações de perigo. Limite este ao qual ele teve que humildemente ceder quando deixou nesta terra seu filho adolescente e a Mãe de Deus. Morte contraditória esta, diz a tradição da Igreja, teve na terra o que todos almejamos encontrar no Céu: os braços do Senhor e da Virgem Maria. Como seria o futuro do menino, agora homem, Jesus? Não era ele o responsável por este que agora teria que deixar? José já tinha cumprido sua parte, ele não era onipotente, era preciso que este menino que já se tornou homem cumprisse a sua missão.

Onde acabam as forças humanas, José foi auxiliado por Deus. Limitado como todos nós, não poderia prever e nem suprir tudo. E um anjo lhe veio avisar do perigo que corriam quando perseguidos por Herodes. Isto serve de grande consolação para mim, que sou pai e limitado. E percebi isto de forma bastante concreta em uma situação que vivi recentemente (3).

É muito belo observar como a dignidade de José caminha junto com a humildade e como sua autoridade é silenciosa e nunca prepotente, mas sempre a serviço. Pois a sua esposa era a mais santa das mulheres e seu filho simplesmente o próprio Deus. Nesta nossa era de conflito de gerações em que alguns pais ficam desesperados sobre a possibilidade de alguns filhos saberem mais do que eles em alguns assuntos (e apenas alguns) é uma grande lição esta humildade de José. Autoridade para ele sempre foi serviço, humildade e silêncio. Autoridade não é mandar e nem saber mais, é servir.

Mas como servir? O que me é mais próprio enquanto homem servir? Não acredito que haja áreas de atuação exclusivamente dos homens ou das mulheres, mas penso que dentro da família podemos perceber traços preponderantes. E não digo que esses traços devam ser pensados em oposição um ao outro, mas apenas como mais conforme à natureza de cada um, suas capacidades físicas e psíquicas próprias, e que divergem entre os gêneros. Isto a sensibilidade de todos pode atestar.

Maria foi a grande protagonista da família de Nazaré, mas José não fugiu da sua responsabilidade. Ele soube ser segurança, estabilidade e força quando foi necessário e tomou decisões difíceis. José não se debulhou em lágrimas diante dos perigos que surgiam e também não teve medo de assumir a maior responsabilidade que já coube a um pai: proteger Jesus e Maria, os mais preciosos tesouros que podem existir. Ambos frágeis e deixados em suas mãos.

Cada um de nós carrega tesouros frágeis que Nosso Senhor colocou em nossas mãos(4). Eu não quero fugir de minha responsabilidade. Que Deus nos dê a graça de quando aparecerem situações difíceis e contraditórias, em que as luzes da fé e da razão falharem, saibamos decidir com firmeza e confiança, sem covardia, sem entregar aos outros decisões que nos cabem, sendo um porto seguro, uma referência de estabilidade e de justiça, como foi o Santíssimo José para Jesus e Maria. 

(1) Uma entre as diversas pesquisas que corroboram a afirmação acima pode ser vista em: http://www.nber.org/papers/w14969.pdf?new_window=1

(2)     A primeira vez que tomei conhecimento do tema foi por meio do Handbook on the Economics of Happiness de Luigino Bruni, professor da Università di Milano-Bicocca da University de East Anglia, parecerista de algumas das principais revistas internacionais de economia, autor de temas ligados ao Movimento Economia da Comunhão do Movimento dos Focolares, uma das maiores autoridades mundiais em Economia da Felicidade.  O livro pode ser baixado no Google Books. Também podem ser encontrados diversos artigos sobre o tema, como o mencionado na nota (1)  da NBER, uma das principais revistas de economia do mundo: http://www.nber.org/papers/w14969.pdf?new_window=1

(3)     Por volta do dia 15 de setembro de  2011  viajei para o interior para a casa dos meus pais. Chegando na cidade, o carro começou a fazer um barulho estranho, cheguei em casa e assim que coloquei o carro na garagem ele literalmente travou, não ia nem para frente nem para trás. Depois vimos que os rolamentos de uma das rodas traseiras simplesmente se fundiram. Logo percebemos uma pequena graça, pois como pode um carro travar depois de 400km de viagem somente quando estou dentro da garagem? Qual a probabilidade disso? E tendo depois percebido o que aconteceu, poderíamos ter sofrido um acidente grave, talvez até morrido, se isso ocorresse 15 ou 20 min antes. Imediatamente atribuímos essa graça a São Miguel, a quem tínhamos rezado durante essa Quaresma de São Miguel. Se cumpriu exatamente o que diz um dos textos da Quaresma: "me dou e me ofereço e ponho-me a mim próprio, a minha família e tudo o que me pertence, debaixo da vossa poderosíssima proteção...dignai-vos desde então velar sobre os nossos interesses espirituais e temporais". São Miguel, rogai por nós!

(4)   Quando falo frágeis, não quero dizer que as mulheres seriam mais frágeis do que os homens, até porque foi Maria quem esteve aos pés da Cruz e foi sua alma a trespassada  por uma espada de dor, alguns santos chegam até a pensar que Deus permitiu que José morresse antes por não porque sabia que ele não suportaria ver Jesus na Cruz. Digo frágeis no sentido de morrerem, estarem sujeitas ao acidente e à morte e pensar que Maria e Jesus estivessem sobre minha responsabilidade nessas condições me parece algo terrível, e que seria preciso ter muita coragem e confiança em Deus para suportar.

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