Archive for 2017

O QUE GREGORIO DUVIVIER NÃO ENTENDEU SOBRE O NATAL


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Bem, na verdade ele não entendeu nada. Mas criou, de novo, uma boa polêmica, afinal todo Natal e Páscoa é isso agora. O que há de inteligente na polêmica é que ela se aproveita de uma ideia infelizmente bastante disseminada para fazer palanque desse novo velho progressismo que parece ter eleito “conservadores cristãos” como bodes expiatórios para todos os problemas que eles não sabem explicar.

Bem, Jesus andou com as prostitutas e os ladrões não condenando ninguém e foi um grande revolucionário, realizando inclusive o milagre da multiplicação dos pães, morto por um crime político, um autêntico líder de esquerda, certo? Errado.

É verdade que Jesus perdoou a prostituta, ou a mulher adúltera, que perdoou na cruz um bandido e que realizou o milagre da multiplicação dos pães. Mas havia muitas prostitutas em Israel, e apenas uma foi perdoada. Na cruz haviam dois bandidos, um deles blasfemava e o outro foi perdoado. Jesus multiplicou os pães, mas quando o quiseram fazer rei por conta disso, despediu a multidão e os acusou de interesseiros.

Assim, não se pode dizer que foram as prostitutas, os bandidos ou os pobres que Jesus acolheu, os outcasts. Mas sim, os penitentes.

Mas, penitentes, essa palavra quase desconhecida da nossa época...o que viriam a seesses penitentes?

O ladrão, a prostituta e tantos outros, reconheceram a existência de algo maior do que eles e a partir desse novo critério, perceberam que andavam mal. E a prostituta lavou os pés do seu mestre com as próprias lágrimas e o bandido, à beira da morte, soube levantar a sua voz para defender à sua honra e ainda fazer uma das mais belas profissões de fé da história...” Lembra-te de mim quando entrares no teu Reino”...

No fundo, somos como esses dois ladrões. E escolhemos a penitência ou a blasfêmia. A vida ou a morte. E mesmo que não tenhamos cometidos crimes graves, quando percebemos a presença de Deus e nos damos conta de todo o bem que poderíamos ter feito e não fizemos, nos reconhecemos não mais do que um ladrão. Um ladrão que recebeu o dom da vida para compartilhar com todos, mas que a guardou só para si.

E quanto mais nos aproximamos da luz, mais percebemos nossos defeitos, erros, vícios, imperfeições, mesmo que para os padrões desta época, que aliás são bem baixos, sejamos pessoas extraordinárias, grandes empreendedores, mães, pais, profissionais, etc...Santo Afonso de Ligório, o maior moralista da história da Igreja dizia que “quanto mais se varre, mais poeira se levanta” e ele, homem santo, soube ao fim da vida dizer: “que bom, não irei mais pecar”. Quanta arrogância, nós, “os certos”, acharmos que merecemos alguma coisa.

Mas quando fazemos penitência, batemos no peito e pedimos perdão, e olhando para cruz pedimos forças para sermos melhores, para sermos o que reconhecemos que não podemos ser sozinhos, oh glória! Oh alegria!

A Igreja soube elevar a adúltera penitente como a primeira entre as virgens. Na Ladainha de Todos os Santos, uma das ladainhas oficiais da Igreja, na parte das virgens, depois de Nossa Senhora temos Maria Madalena, a penitente. Esta mulher que o Evangelho diz que “muito amou e por isso muito foi perdoada".

Ao colocar a pecadora como a primeira no coro das virgens, a Igreja nos ensina que mais do que somente nos perdoar, Cristo deseja se dar inteiro a nós, todo o seu coração, toda a sua vida, não para que sejamos apenas perdoados, mas para atingirmos toda a plenitude de seu amor, como diz Santa Teresinha. E foi assim que a pecadora conseguiu ultrapassar muitos santos e atingir um dos lugares mais altos no céu, porque ela muito amou. Mas, poderíamos dizer, para muito amar, muito mais ela se deixou ser amada.

Na nossa época de vidas dilaceradas, é comum as pessoas desanimarem, desencantarem, viverem um plano B de si mesmas. Maria Madalena, a penitente, nos ensina que há um desígnio, um caminho, uma estrada superior que desconhecemos, um atalho secreto, que nos leva da morte à plenitude de nós mesmos. É preciso deixar-se amar.

E por fim, não poderia deixar de agradecer ao Duvivier, que achando que está chutando um cachorro morto, nos dá possibilidade de conseguir alguns leitores às custas dele. Afinal, como nossa popularidade não costuma ser muito alta, ele acaba aumentando o acesso a blogs e textos católicos com as suas polêmicas pelo menos no Natal e na Páscoa. A Igreja é uma bela jovem de 2000 anos, uma pessoa sensata vai pelo menos lhe pedir uma opinião.


Embora a Igreja não revide os ataques que recebe, como já se disse certa vez, é uma “bigorna que tem desgastado a muitos martelos”. E sobre essa história de onde está Deus, onde está a autoridade da Igreja, bem poderíamos responder: na sua consciência. Pois escrever sobre nós nas nossas festas, é uma coisa que até Freud explica.

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A CRISE SEPARATISTA NA CATALUNHA



A vitória parcial do movimento separatista na Catalunha que conquistou (somando-se todos os partidos pró-independência) 70 cadeiras e 48% dos votos contra 37 cadeiras do partido Ciudadanos, pró-Madrid, na última eleição parlamentar abriu uma nova temporada de tensão e angústia para o futuro da região e da Espanha. E embora este seja um problema eminentemente do povo catalão e espanhol, vale a pena um comentário nosso, brasileiros da periferia do Ocidente, por que afinal, o mundo e a humanidade são uma só.

O que chama a atenção nesse movimento, bem como a Liga Norte na Itália, de menor expressão, é seu caráter eminentemente econômico. Não estamos falando de raças, povos, línguas (talvez em menor grau) exploração e etc, mas de uma região rica que se ressente em enviar muitos recursos para as regiões mais pobres. Ainda que as regiões pobres da Espanha não sejam as nossas regiões pobres.
Não há dúvida de que seja justo questionar uma carga tributária excessiva e renegociar acordos e etc, mas ressentir-se de contribuir demais com o resto do país a ponto de buscar a independência...é este um argumento razoável no que conhecemos como mundo civilizado? Se a razão fosse história, uma necessidade de maior expressão cultural de um povo ou outra coisa do gênero, o debate me pareceria bem mais sensato e, como já disse, é algo estritamente relacionado às partes envolvidas. Mas o que eu queria debater aqui é a legitimação a nível global de argumentos pautados na ganância, no individualismo e no poder econômico. Seja nesses movimentos separatistas seja no nacionalismo econômico de Steve Banon que dá suporte à agenda de Trump. E já coloco aqui a ressalva que são coisas bem distintas, embora eu encontre este aspecto em comum.

Será que no final é isso que teremos? Os mais ricos se reúnem e se tornam “independentes” dos mais pobres?

Genovesi, pensador do humanismo civil italiano do século XVIII (se não me falha a memória com as datas), tomista e católico, ao colocar-se o problema da usura, ou da cobrança de juros sobre empréstimos aos pobres, diz o seguinte: “É justo cobrar juros do seu concidadão? Sim, desde que não seja um pobre. Pois o pobre tem o direito à ajuda dos seus concidadãos”. E, podemos concluir, a existência da cidade consiste justamente na solidariedade entre os seus concidadãos.

Ora, Aristóteles já dizia que somos animais sociais, que vivemos em cidades. Genovesi, mais além, vai dizer que homens só podem ser felizes em cidades. E Luigino Bruni, pensador católico contemporâneo dá ainda mais um passo ao afirmar que só podemos nos realizar plenamente por meio de relações gratuitas, como a amizade.

É ingenuidade pensar que seja outra coisa que move o mundo do que o autointeresse das pessoas. Mas para onde move esse mundo? Estamos mais felizes? Ou estamos transformando cada vez mais as cidades, e os países, em amontoados de pessoas, sem trocas simbólicas, sem fidelidade, sem história, sem felicidade? Se queremos movê-lo bem, não devemos voltar (embora nunca tenhamos tido uma era histórica perfeita) às coisas importantes, à solidariedade que cada pessoa deve ao seu vizinho, aos seus amigos?


Eu penso que comunidades independentes, autônomas, podem conviver harmonicamente umas com as outras, emergindo organicamente de acordo com as necessidades concretas de um e outro lugar. Mas quando o fundamento dessas comunidades é o próprio bolso, podemos encher os cofres, mas vamos terminar por esvaziar as cidades.

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PARÁFRASE DE SÃO MARTINHO DE DUMES (BRACARENSE)

Em tempos confusos, deve-se compreender as trevas a partir das coisas claras, parafraseando São Martinho Bracarense (O Tratado da Vida Honesta, Séc V).

Pois que a beleza da Igreja não cessa, não deixa jamais de ser adornada a Esposa de Cristo. E seus santos brilham tal como rubis, diamantes e jaspes e quais estrelas, mais refulgem quanto mais escura a noite.

O Esposo vem à noite, estejam as velas postas, o azeite preparado. Ele virá, já se ouve o rumor dos seus companheiros ao longe, Ele virá, e colocará sob seus pés tudo que não é belo, perfeito e puro.

Ele nos saudará com o ósculo da paz e seremos dEle e Ele será nosso.

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BREVE COMENTÁRIO A JUDITH BUTLER

Depois de escrever o post achei que não ficaram tão breves assim

A Folha de São Paulo publicou uma resposta de Judith Butler aos eventos do SESC Pompeia. Vale a pena ler a resposta antes destes comentários. E quero comentar por que acho este episódio de Culture Wars vale algumas palavras, além de Judith ter somado mais alguns pontos para o seu lado. É uma pensadora sagaz, de um movimento extremamente organizado e muitas pessoas entram nessas questões como completos amadores.

O evento não trazia no título as discussões sobre gênero da autora. Embora seja evidente que por ser uma autora renomada mundialmente por este assunto, esperava-se exatamente que ela abordasse o tema. Foi pensado ainda para este momento em que se começam a delinear os candidatos para 2018. Ora, uma oposição ao evento, "que sequer fala de gênero " (já que não está no título, não é?) só pode ser pura intolerância...como a que tem acontecido nos EUA, na Europa e todo ressurgimento de uma direita de discurso agressivo...pronto. Está feita mais uma campanha de graça para os ideais que defende e, pasmem, dos quais ela nem veio falar.  Um evento que poderia ser no máximo uma nota na Folha, se tornou uma manchete de repercussão global. 

A autora, que afirma NÃO ser uma estudiosa do cristianismo, fez uma série de afirmações sobre a Igreja Católica. Citou Bento XVI, a inquisição e escândalos internos. Imagino o que ela teria dito se fosse uma especialista. As imagens da reportagem, por sua vez, apontam uma série de atos grotescos e desrespeitosos, realmente infelizes em relação ao respeito que se deve à autora, concorde-se com ela ou não, e como a Igreja Católica é citada, deduz-se que são católicos. Mas não são. Caímos, mais uma vez, em um discurso pronto, como completos amadores.

Ao citar Bento XVI a autora insinuou que o uso do termo ideologia de gênero foi cunhado para desviar a atenção da sociedade dos escândalos da Igreja para outras questões sociais. Bem, quem tem o mínimo de conhecimento sobre as questões internas da Igreja sabe isso é um completo absurdo. Bento XVI foi justamente o papa que mais expôs a Igreja nesse sentido, o próprio Papa Francisco o disse esses dias, inclusive, foi ele quem condenou publicamente um importante personagem católico, quando o assunto já estava por vias de ser esquecido.

A Sra. Butler fez questão ainda de citar Salem (que foi um evento protestante) e, claro, a inquisição. Inquisição aliás que está morta há pelos menos 300 anos. Mas, como todos sabemos, segundo o mito, na verdade calúnia, que se propaga sobre a Igreja, até os dinossauros foram queimados na inquisição. E ninguém se refere a ela como o processo complexo, sem negar erros lamentáveis, que foi. Claro que ela ainda fez a gentileza, bem sagaz, de defender os que de dentro da Igreja sempre se opuseram a esses "erros", ou seja, os que concordam com ela. E tentou jogar assim nosso pobre Papa emérito para um corner ideológico. 

Fez menção ainda às bruxas, que no fundo seriam libertárias sexuais. E que foram mortas pela "Igreja repressora". E ela NÃO estuda o cristianismo. É bom lembrar. Ela faz ainda comentários teológicos dizendo que as bruxas não existem. Bem, eu discordo. Pode-se abusar da verdade usando o demônio como bode expiatório, é verdade, pero que hay, hay

A autora, contudo tem um ponto. Os erros dos católicos, de fato, minam sua autoridade moral. E não é de se estranhar que todas as mudanças em termos de políticas de família tenham se dado, juntamente, nesse período, que sob esses aspectos talvez seja um dos mais sombrios da história da Igreja.

Foi construída a narrativa de que a oposição às novas políticas sociais que têm surgido se fundamentam no medo irracional que temos da liberdade das pessoas e por uma obsessão a fazê-las viver vidas que não suportam. E a sociedade já comprou esta versão. 

E embora a autora tenha mencionado os casos, raríssimos aliás, de pessoas que sofrem por questões de identidade, todos nós sabemos do que se trata o assunto. É a respeito da liberdade sexual e da educação de crianças dentro dessa suposta liberdade que queremos debater. Com honestidade, em paz e com argumentos. 

Todos nós sabemos que há casos, raros, de pessoas que de fato sofrem, e sofrem muito, com questões relacionadas a esse tema. Todos nós concordamos que merecem ser acolhidos, que o tema merece ser estudado e que, podem sim, haver casos que parecem violar as regras que conhecemos da natureza. Ninguém discorda disso. Mas estes casos são usados como ponta de lança, para abrir caminho para outras coisas, a ideia de amor-livre, do começo do século XX, que foi se metamorfoseando para uma suposta defesa de liberdade.

Bem, mas qual é a maneira de entrarmos então neste debate? 

O ponto é que fazemos uma afirmação muito forte para a sociedade contemporânea. Eles simplesmente não conseguem ver o que dizemos. E soa como se fôssemos simplesmente contra algo que duas pessoas livremente escolheram fazer. O desafio deste ponto é que temos que provar que embora se possa sentir alguma satisfação e apesar não conseguirmos muitas vezes elaborar logicamente o que se passa, existem as virtudes da inocência e da pureza que levam o ser humano para outro nível de relação consigo mesmo, com os outros e com Deus. 

Mas como? Se mesmo Santo Agostinho, um dos maiores doutores da Igreja, afirmou que certas virtudes só se alcançam como um dom de Deus? Como explicar isso para aqueles que assumem que sequer Deus existe? 

É preciso mostrar, mostrar para essa geração inquieta e irritadiça, que São Tomás aliás previa como consequência natural dos erros que cometem, que existe paz. 

Será um argumento muito forte dizer que a consequência desse modo de viver é justamente a paz que não têm?  Não é isso que vemos em todas as manifestações e suas inúmeras profanações de Igrejas e símbolos católicos? Não me lembro de ter sido convidado ou de ter visto algum evento em que fomos chamados a apresentar nossa opinião e fomos ouvidos com serenidade e nos surpreendemos como quão bem fomos acolhidos... Talvez os 5 min de televisão ou a foto em uma entrevista enganem, mas qualquer pessoas que tenha convivido de perto com o tema sabe da inquietação que está dentro dessas pessoas.

Não pretendo aqui julgar. Ad intra nec Ecclesia (não me lembro da grafia correta), ou seja, o interior do coração dos homens nem a Igreja conhece. O próprio catecismo afirma que mesmo pecados gravíssimos podem ter atenuantes tão grandes que a culpa pode ser mínima. E há ainda um outro ditado que diz que "no inferno há muitas almas virgens, mas não há nenhuma que seja humilde". E muitos santos, como o próprio Santo Agostinho, tiveram uma vida bem complicada.

Mas isso não significa que não devamos tratar os temas com clareza, dando nomes aos bois, por amor à justiça e à verdade. 

E como mostrar? Infelizmente, mesmo entre nós, quantos abandonaram a pureza e a inocência? E caem por sua vez na mesma inquietação...só quem teve a incalculável graça de não ter caído nesses pontos ou a graça também enorme de ter lutado e ter vencido, sabe o que é esta paz.

Pois então aumentemos nossas próprias fileiras. Se formos o que devemos ser, e seremos, com a graça de Deus, olharão para nossa cidade como os animais que buscam a lua na escuridão. E poucas explicações serão necessárias. Não importa quantos pregos queiram colocar no caixão da Igreja, ela ressuscitou com seu Amado e está sempre viva, é imortal. Não é este o nosso problema. É justo, é lícito, defender-nos, com sabedoria. Mas o mais importante é sermos. Foi assim que muitos impérios se curvaram. Não será diferente agora.

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ESTADO DEMOCRÁTICO E VALORES DEMOCRÁTICOS

Valores, votos e anseio de participação

Por esses dias, participando de uma reunião de trabalho, um colega reclamou que uma certa decisão que foi tomada deveria ter sido feita de forma democrática e não tinha sido assim por que, aparentemente, o gestor estava trazendo a decisão já pronta. Essa questão especificamente tinha uma série de pormenores que não cabem aqui discutir, como fato de estar presente um grupo de representantes dos demais e etc. Não vem ao caso. O ponto é que diversas vezes, talvez por trabalhar com questões sociais, já vi alguém se manifestar de maneira semelhante.  

Mas o que é uma decisão democrática?  Se todos têm o direito a palavra, mas eu falo por cima da opinião do outro para não seja escutada, seria isso democrático? Seria democrático levantar na reunião bem na hora em que vai falar a pessoa de que discordo? Seria democrático escutar a opinião de alguém e não contra argumentar em público, mas pelos cantos, manipulando a decisão do responsável, minando um argumento honesto que foi colocado para todos de forma aberta? Ou, o que para mim é pior, ouvir mas ignorar a opinião de alguém, aguardando para ver o que o meu grupo de amigos vai dizer e depois manifestar uma opinião “política” de apoio, mas não uma reflexão sincera sobre os pontos trazidos?

Por diversas situações como as de cima, que já presenciei nos mais diversos grupos de que participei, foi que percebi que uma assembleia, todos reunidos e em tese decidindo juntos, pode, na verdade, ser uma experiência muito antidemocrática.

E que apegar-se à forma, decidir todos juntos, ou realizar votações, pode esconder pelo menos dois objetivos não democráticos. O primeiro deles é o desejo de influenciar as decisões de acordo com as afinidades e preferências pessoais, e não necessariamente para achar a melhor solução. E o outro, um certo racionalismo, que precisa tornar tangíveis todas as coisas, colocar as regras excessivamente claras, uma atenção exagerada à fórmula, como se essa fosse capaz de garantir um ambiente democrático.

Sem dúvida que as formas são importantes, e que podem ajudar a evitar desvios antidemocráticos, mas são insuficientes e não são essenciais.

Por que no fundo, a democracia, essa palavra que utilizamos para expressar o ideal de sociedade que compartilhamos, não é tanto uma forma, mas um conjunto de valores. E os valores devem ser defendidos e promovidos a todo tempo, não são tangíveis e exigem um esforço constante, um pensamento constante, que aqueles que se apoiam nas formas, ou desconhecem ou não querem fazer.
E no que consistem os valores democráticos? Penso que podemos resumir esses valores em um ato de escuta profunda. Uma escuta que nos faz levar em consideração as necessidades uns dos outros, seus pontos de vista, suas convicções e que nos leva à ação para o bem comum. Uma escuta profunda em que nos deixamos desafiar pelas convicções e opiniões dos demais, na crença de que nas mais diversas situações há uma verdade, que deve ser buscada. E é antes de tudo uma atitude interior, de desejar realmente compreender aqueles com quem estamos trabalhando ou decidindo juntos.

E essa atitude de escuta profunda pode também resultar em reconhecer os limites uns dos outros, os limites do diálogo, e aceitá-los por um bem maior, tentando alcançar o máximo possível, e cada vez mais, o bem comum.

Do contrário, qualquer forma de tomada de decisão não passa de uma disputa de poder.

Trabalhando com organizações sociais foi quando tive algumas das experiências mais antidemocráticas da minha vida. Vi belos discursos e péssimas práticas. E na nossa época em que chamar alguém de antidemocrático para ser a nova tendência de destruição da honra pública, é bom ter isso em mente.

Quando os iluministas pensaram os princípios que dariam origem ao estado moderno, querendo ou não, se assentavam sobre uma série de valores católicos que herdaram da Idade Média. A igualdade e a liberdade pregadas pela Revolução Francesa são ecos distantes, e logo corrompidos, da igualdade dos homens diante de Deus e da liberdade no Espírito dos cristãos. Tanto que, num primeiro momento, os revolucionários não se atreveram a atacar de frente a Igreja, mas de acusá-la de hipocrisia e que seriam eles os verdadeiros portadores desses ideais. A fraternidade, por sua vez, foi logo guilhotinada. Vários autores em maior ou menor grau concordam com esse ponto, entre os que desfrutam de maior aceitação pública, talvez estejam Jacques Maritain (grande contribuidor para a criação dos direitos humanos pela ONU) e o filósofo Julian Marias, entre os que me vêm fácil à mente. No fundo, o que os revolucionários fizeram, ao menos num primeiro momento, não foi negar de todo o pensamento da Igreja Católica, mas se apresentar como uma espécie de verdadeira igreja.

Mas esses pensadores cometeram um erro fundamental. Montaigne, ao pensar a divisão dos poderes, a colocou em uma chave negativa, como uma forma de evitar abusos de poder. Mas o que move os governantes a agir bem? Um sistema que apenas não os faça agir mal é insuficiente...o que os fazia agir bem, ou ao menos de forma razoável sem descambar para o mais indiscreto egoísmo e luta por poder, era a fé católica, que ainda vivia nos costumes, nas mentalidades, na cultura...e na medida em que a sociedade abandona completamente sua fé católica, o que sobra? Sobram situações como a que vemos no Brasil de hoje, uma guerra total entre os três poderes, que me parece que Montaigne não tinha sequer imaginado.

É nesse sentido ainda que Plínio Correa de Oliveira, já nas primeiras décadas do século XX, previa uma profunda crise institucional devido à descristianização da sociedade, que para mim é exatamente o que vivemos hoje.

Estudando negócios sociais, é muito comum ler ecos desse debate, com autores que imaginam que a única forma possível de existência democrática seja em organizações em que a propriedade seja compartilhada. Não percebem que a propriedade pode ser partilhada apenas nominalmente e que se a propriedade é importante, a posse o é ainda mais. Regimes socialistas, seja em Estados Socialistas, seja em cooperativas dentro de economias de mercado, podem abolir a propriedade, mas não podem abolir a posse, o controle dos recursos terminará por ser exercido por um número relativamente reduzido de pessoas, e esse princípio vale até mesmo para um CEO de uma organização com centenas de acionistas, pois por mais donos que uma empresa tenha, a tomada de decisão será de uns poucos com enorme influência.

Dito isso, todos concordamos que não deve haver uma desigualdade tal que impeça as pessoas de viverem com dignidade, ou que ofereça a um grupo o controle sobre a vida de outro. Não estamos discutindo aqui que é imoral deixar os mais pobres morrerem à míngua quando se pode socorrê-los, isto é evidente.

Há situações em que o voto é simplesmente impraticável. Decisões realizadas por entidades de classe que impactam toda a sociedade civil, como o CRM dos médicos ou o CREA dos engenheiros, são tomadas por pequenas aristocracias de técnicos, ainda que votem em suas reuniões. São especialistas, acadêmicos que decidem e está na natureza das coisas ser assim. Não há como tornar o CRM mais democrático para o grande público, colocar a política no lugar da técnica resulta em barbárie, diria, com razão, o filósofo ateu Sponville.

Dessa maneira, embora os mecanismos de voto e participação sejam importantes, e não me passe pela cabeça discutir a importância e o lugar deles na sociedade contemporânea, no fundo, não são eles que constroem e nem os que garantem uma sociedade democrática. O que a garante, são os valores democráticos, que são, na verdade, valores católicos, embora sejam hoje apresentados em versões corrompidas do que foram e, mais ainda, do esplendor que podem adquirir no futuro. O que queremos de fato não é votar, mas sermos escutados e compreendidos. Agora, se o que queremos é somente nos manifestar, sem nenhuma preocupação com o bem comum, seria melhor que não votássemos.

E nesse país e nesse mundo tão tumultuado em que vivemos é bom olharmos para belas experiências democráticas. E eu as encontrei no que para mim era o lugar mais improvável quando era bem mais novo: na Santa Igreja Católica.

A regra de São Bento, talvez a principal regra de vida do Ocidente, do século VI, apontava formas de ação que até hoje seriam inovações profundas.

Ela previa, por exemplo, que nas decisões mais importantes até mesmo as crianças, havia crianças que viviam nos mosteiros para serem educadas nessa época, deveriam ser chamadas. São Bento diz na regra, justificando esse ponto, que é comum Deus revelar sua vontade por meio dos mais novos. Devia ser um quadro belíssimo ver aqueles monges sóbrios e sérios, que abandonaram todos os bens terrenos para dedicar à contemplação de Deus, sentados próximos às crianças, se preparando para conversar sobre um tema importante, logo depois de terem rezado a Deus para que os iluminasse.
Para se ter uma ideia da importância dos monges católicos na nossa história, as câmaras do Palácio de Westminster, sede do parlamento inglês, foram feitas semelhantes ao capítulo de um mosteiro, que é o lugar onde os monges se reúnem para votar.

Outro ponto importante da regra beneditina é que ela prevê que os superiores procurem ouvir e compreender a necessidades daqueles que lhe estão abaixo e que estes exponham, em paz, suas questões em relação às ordens dos superiores. Mas sem revolta, confiando que se o superior se mostrar intransigente, em última instância Deus conduzirá toda a situação da melhor forma.  

E não é preciso dizer que os abades, os superiores dos mosteiros, eram eleitos. E esta é, ainda hoje, a regra de milhares de monges no mundo.

Não é assim que queremos todos viver?

Penso que cabe a nós, membros das instituições Católicas de nossa época, iniciar, em paz, a construção de uma cidade espiritual, que nos una a todos nos valores que compartilhamos e que da Igreja recebemos. E assim, com a Graça de Deus, estendermos a beleza que carregamos a todos os homens. E convido, com liberdade e serenidade, também a todos os que não creem, ou que creem diferente pelas mais diversas razões, a descobrirem esta incalculável riqueza que está posta para todos nós. 

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Maquiagem para Homens, Brinquedos Azuis para Meninas e Coisas do Gênero

Ontem minha esposa comentou comigo a respeito de uma postagem no Facebook sobre uma marca de maquiagens que adotou um modelo masculino, presumivelmente para vender maquiagem para homens, falou sobre a imagem do rapaz maquiado, os comentários no Facebook e por fim sobre uma carta do pai defendendo o filho. Interessante que esta semana também vi uma chamada nessas TVs internas sobre o primeiro comercial da boneca Barbie que apresenta o pai brincando com a filha.

Lembram daquele comercial de um brinquedo ligado à engenharia para meninas, esses de “pequenos cientistas”, que circulou na internet algum tempo atrás? Havia um comercial longo com meninas entediadas, cansadas de “serem princesas”, que depois se divertiam de verdade com o novo brinquedo. O brinquedo até que é interessante, quando vejo minha menina de 6 anos brincando, de vez em quando, com a bancada de ferramentas do irmão, vejo que o brinquedo pode ser mesmo interessante.

Alguns amigos fizeram comentários entusiasmados com a ideia, falando sobre igualdade, diversidade e etc. Mas o que me chamou a atenção foi que ninguém percebeu que a personagem que vende o brinquedo na caixa é uma menina loira, com cabelo comprido e a caixa é toda rosa. No final das contas, é apenas uma “princesa” vestida com um macacão de trabalho, rs. Ou seja, sobre o pretexto de criar igualdade e etc, é apenas business. E um excelente negócio, pois quando uma marca consegue vender um produto associado a apenas um sexo para outro, dobra seu mercado.

E muitas pessoas tão críticas, tão cultas, sequer perceberam que apenas caíram em uma peça de marketing. Ou, que muitas vezes, a pretensa igualdade é feita no erro, no vício de um dos sexos, e não nos acertos.

Vejamos o caso da maquiagem. É verdade que os homens se maquiavam no passado, pelos menos até antes da Revolução Francesa, que, aliás, se não me engano*, via isso como decadência e degolou boa parte desses homens maquiados. Nossos novos revolucionários querem se maquiar novamente em nome daquela mesma liberdade.

Mas a pergunta não é se os homens devem se maquiar ou não, mas se as pessoas devem. Embora apresentada muitas vezes como sinal de feminilidade, ou de beleza, a maquiagem serve para quê? Para ocultar o corpo que tenho, seus supostos defeitos, e destacar aquilo que os outros acham mais atraente. Ou seja, serve para esconder o que sou e ser o que os outros querem. Bem, então qual é o sinal de autonomia nisso?

Alguém poderia objetar que, “mas eu uso maquiagem para mim mesmo (ou mesma)”, bem, nesse caso, vale a belíssima expressão, cheia de simplicidade e sabedoria, de Afonso Lopes Quintas: “Vejam aqueles brincos que a aquela mulher usa, aqueles brincos não são para ela, são para os outros”.

Claro, é preciso ter bom senso, aquele bom senso que os racionalistas chamam de falta de conhecimento, mas que os sábios, olhando de perto, entendem como complexidade. Não é porque a maquiagem se assenta sobre uma base falsa que então iremos evitar toda maquiagem. Se alguém vai a uma festa de casamento, por exemplo, pode soar rude, como falta de cuidado, não se arrumar para a festa que alguém preparou com tanto cuidado. E as pessoas em geral não fizeram a reflexão acima.

Arrumar-se para mostrar a alguém, dentro da cultura e dos costumes dela, embora estes possam ter erros e inverdades, é muito válido. E é aqui que entra o bom senso, pois ainda que façamos “conforme o costume”, ainda dá para mostrar os excessos desse costume e discutir, por assim dizer, outros valores, ou verdadeiros valores, na forma como nos vestimos, nos portamos e, eventualmente, nos maquiamos. Assim como faz todo sentido um apresentador de TV ser maquiado para contribuir para a clareza da imagem que vai ser gravada.

Mas se me maquio apenas para atrair para mim as mesmas cadeias e prisões que pesam sobre as mulheres, qual o sentido disso? Ainda que o faça de forma inconsciente.

As pessoas simples, o que não quer dizer ignorantes, isto é, aquelas que não foram formadas pelas nossas universidades e pelos canais e propagandas de marketing americanos, e que são cada vez menos numerosas, sabem que meninos e meninas naturalmente se associam por afinidades comuns, ainda que estas variem um pouco de um lugar para outro. E que também sempre há uma menina mais “moleca”, por assim dizer, ou um menino que “não goste de jogar futebol” e etc. Ou seja, que toda regra tem sua exceção.

Ou como se diria em estatística, que em torno de uma média, há uma distribuição normal para vários fenômenos aleatórios. Ou seja, muitos se comportam de maneira parecida, com poucos extremos dos dois lados em boa parte das coisas da vida.

Ao tentar criar uniformidade, todos são iguais em tudo, todos fazem tudo, não há diferenças, aí sim criamos uma regra, artificial, que desmantela a organicidade e a liberdade da vida. Com um pouco de tempo e esforço dá até para modelar essa uniformização matematicamente, justamente porque é artificial.

Li esses dias que a venerável Irmão Dulce, o Anjo Bom da Bahia (e do Brasil), adorava jogar futebol quando menina, e, aliás, parece que jogava bem. Isso na Bahia, no começo do século passado. Até o dia em que o primeiro encontro com a pobreza, graças a uma tia que visitava os bairros pobres e que levou ela junto. Quer dizer que a Irmã Dulce não era uma boa menina? Claro que não. Pelo contrário, é uma das maiores mulheres da história do nosso país. Mas não existia a menor necessidade de empurrar uma bola para ela, porque ela já era livre.

A liberdade nasce de dentro, não vem de fora. E é isso precisamos ensinar urgentemente às crianças.


*Eu não tenho muita certeza sobre esse ponto e não tenho as referências fácil, agradeceria se alguém pudesse comentar a respeito.

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A Prática do Amor a Jesus Cristo

Um excerto dessa belíssima obra

São Paulo, apaixonado por Jesus Cristo diz com razão: "A caridade de Cristo nos constrange". E ele se refere não tanto ao que Cristo sofreu, mas ao amor que nos mostrou no seus sofrimentos. É isto que nos obriga e quase nos força a amá-lo. Sobre isto diz São Francisco de Sales: 

"Jesus Cristo, verdadeiro Deus, amou-nos até sofrer por nós a morte na cruz. Não é isto como que ter nosso coração debaixo de uma prensa? Como que senti-lo apertado com vigor e espremer amor com uma força que é tanto mais forte quanto mais amável? Eu o abraçarei, deveríamos dizer não o abandonarei jamais, Morrerei como ele, abrasar-me-ei nas chamas de seu amor. Um mesmo fogo consumirá este divino Criador e sua miserável criatura, Cristo se dá todo a mim e eu me entrego todo a Ele. Viverei e morrerei sobre o seu Coração: nem a vida, nem a morte me separarão dEle. Ó Amor Eterno, minha alma vos busca e me acolhe para sempre. Vinde Espírito Santo, inflamai os nossos corações no vosso amor. Ou amar ou morrer!"          
              
Quem pôde, alguma vez, levar Deus a morrer condenado numa cruz entre dois criminosos, com tanta vergonha para sua grandeza de Deus? Quem fez isto? pergunta São Bernardo. E responde:                        
"Foi o amor, que esqueceu sua dignidade"                        

O amor quando procura fazer-se conhecido, não leva em conta aquilo que mais convém à dignidade da pessoa que ama, mas o que mais conduz manifestar-se à pessoa amada.                        

São Lourenço Justiniano dizia: "Vimos a própria sabedoria, o Verbo Eterno enlouquecido por excessivo amor pelos homens."                        

Tomando nas mãos um crucifixo, Santa Maria Madalena de Pazzi exclamava admirada: "Sim, Jesus, vós estais louco de amor. Eu o digo e sempre direi, estais louco de amor                        

São João de Ávila (...) expressa esses ardentes sentimentos (...): Ele mesmo disse a seus discípulos na Quinta-Feira Santa: "Para que o mundo saiba que amo o Pai: levantai-vos, vamos".                        
- Mas para onde?                        
- Morrer pelos homens, na cruz!                        

Estes são trechos do primeiro capítulo de A Prática do Amor a Jesus Cristo de Santo Afonso de Ligório, de 1768. É belíssimo, um tesouro precioso a ser lido e relido várias vezes. É belíssimo ver este homem santo embevecido com o que outros santos escreveram sobre o amor a Jesus. E a compilação que ele fez ficou tão bela, e talvez mais bela, do que aquilo que disseram os santos, a constelação vale mais que as estrelas. 

Santo Afonso é doutor da Igreja (santos cujos escritos são tidos como válidos para a instrução de todos os fieis e  considerado o maior moralista (do ensino da ética, da moral) da Igreja.


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