Archive for maio 2014

O Vaticano e a ONU

Sobre as recentes polêmicas com o Comitê dos Direitos da Criança e o Comitê sobre Tortura da ONU. 

Poucas pessoas têm acompanhado as recentes disputas na ONU em torno do Vaticano. Em janeiro de 2014 o Vaticano recebeu um relatório do Comitê dos Direitos das Crianças criticando a condução dos casos de pedofilia envolvendo o clero católico[1]

Nada de se estranhar à primeira vista, afinal os escândalos de fato existiram e é justo levantar considerações sobre a condução dos casos. Os relatórios fazem parte de um pacto assinado pelo Vaticano. Além disso, todos os países do mundo recebem relatórios de comitês da ONU denunciando erro de conduta em temas de direitos humanos. 

A polêmica começa de verdade no ponto em que o relatório sugere que a Igreja mude sua doutrina com relação à família, o aborto e etc, dando a entender que a doutrina católica é em certo sentido causa dos escândalos. Bem, uma coisa simplesmente não tem nada a ver com a outra. 

Este mês o representante do Vaticano no Comitê contra a Tortura ouviu que a Igreja pratica tortura com sua doutrina sobre o aborto. D. Tomasi respondeu firme, apontando que “o aborto em fase avançada constitui tortura” e ainda que “a Igreja condena a tortura de qualquer pessoa, inclusive daqueles que são torturados e assassinados antes de nascer”.

Afinal, uma coisa simplesmente não tem nada a ver com a outra e grupos de pressão dentro da ONU colocaram o aborto no meio de novo, totalmente fora de contexto. 

E há ainda neste momento um movimento dentro da ONU pedindo que o Vaticano perca o seu status de estado observador, perdendo o direito à palavra em algumas comissões da ONU, já que o direito a voto o Vaticano não tem. Uma explanação sobre os direitos do Vaticano na ONU pode ser vista aqui[2].

É interessante ver o vídeo da campanha, das “Católicas pelo Direito de Decidir”, com direito a bonequinho do papa e tudo mais, muito sério e bem fundamentado (e espero que tenham entendido a ironia). O argumento principal da campanha é que o Vaticano evita que temas como “aborto”, “educação sexual” e eutanásia sejam aprovados fazendo lobby junto a países pequenos e conservadores que acabam votando contra. Mas aí eu me pergunto: as minorias só valem quando votam a favor? 

No caso do relatório sobre abuso de menores, o Vaticano se defendeu dizendo que não tem jurisdição sobre as Igrejas pelo mundo, e que cabe aos governos locais investigar e punir crimes dessa natureza, além de apontar todos seus esforços nos sentido de coibir estes crimes. Bem, obviamente é verdade, mas em um mundo em que o Greenpeace, por exemplo, cobra de grandes multinacionais com sede nos EUA e na Europa que suas práticas sejam sustentáveis na extração de matérias primas no mundo inteiro, é difícil sustentar esse argumento. 

Já com relação à participação do Vaticano na ONU, entendo que o primeiro passo é não jogar a ONU inteira nessa discussão. A polêmica gira em torno de duas ou três agências ligadas à campanha pró-aborto feita por grandes ongs e fundações internacionais como Planned Parenthood e as fundações Ford e Rockfeller. O outro ponto é não agir com uma inacreditável ingenuidade e não ver neste movimento coordenado um lobby de fundo que vê a Igreja como um adversário político a ser eliminado. A esse respeito vale a pena ver o depoimento de Amparo Medina que chegou a trabalhar na UNFPA do Equador e depois teve um surpreendente retorno ao catolicismo[3]

Mas com relação ao tema específico da participação do Vaticano da ONU, o que devemos pensar? É justo a Igreja se fazer presente na ONU ocupando uma vaga semelhante à de um país e utilizar este espaço a seu favor? Ou deveria retirar-se, marcando uma distinção clara entre religião e política, atuando exclusivamente em outra dimensão social? 

O primeiro passo é observar o mandato, o objetivo em cima do qual é fundada a ONU, que é a manutenção da paz e da segurança internacional. Assim, a ONU pode se perguntar: o Vaticano, a Igreja, é um parceiro importante para a construção da paz mundial? Eu penso que a resposta é um objetivo sim, pela sua situação ímpar no mundo como única organização religiosa com uma hierarquia definida e uma doutrina clara, além de ser a instituição mais antiga do planeta em funcionamento e ter influenciado de alguma maneira a vida de pelo menos 1,4 bi das pessoas que estão vivas hoje sobre a Terra. É uma voz representativa na humanidade? Sim. Então por que não ouvi-la? 

Com relação ao status sui generis é importante lembrar que a ONU não possui soberania em si mesma, mas é resultado de um acordo internacional, é uma aliança política de nações soberanas que podem deliberar como quiserem dentro da proposta inicial da organização. Além de que, sui generis por sui generis, a ONU considera Taiwan parte da China, reconheceu países que ainda carecem de reconhecimento internacional como a Autoridade Palestina ou o Saara Ocidental e tem como objetivo ser uma instituição para salvaguardar a paz e a segurança no mundo inteiro, mas onde quem vota para decidir sobre o uso das armas são apenas cinco países. 

Se o ponto fosse democracia e legitimidade, a última linha é muito mais importante do que os pobres 1 km2 do Vaticano. 

Essa discussão já foi feita em 1964 quando a ONU acolheu o Vaticano como um estado observador permanente, ou seja, os estados membros já deliberaram a respeito e confirmaram novamente o status do Vaticano em 2004. Sejamos objetivos, o ponto é que alguns grupos não gostam de nossas opiniões. E ao invés de vencer nos argumentos, querem nos colocar para fora.


[1]http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/01/vaticano-admite-existencia-de-autores-de-abusos-contra-criancas-no-clero.html 
[2] http://www.holyseemission.org/about/participation-of-the-holy-see-in-the-un.aspx 
http://www.religionenlibertad.com/articulo_imprimir.asp?idarticulo=28988

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SEJA UM PONTO DE PAZ!


Este ano o Arsenal da Esperança completa 50 anos. Fundado em 1964 o Arsenal surgiu de jovens idealistas que transformaram um antigo arsenal militar em um local para acolher pessoas em situação de pobreza. Para se ter uma ideia, em São Paulo o Arsenal acolhe atualmente 1.200 pessoas e já foram realizadas 77 missões de paz em zonas de conflito pelo mundo. Para comemorar estão convidando todos a serem "pontos de paz" espalhados pela cidade, no dia 24/05. Junte-se a esta iniciativa e acesse para conhecer mais clicando na imagem.



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Brasil e Violência


Por um novo país, começando do começo.

Já passou algum tempo do começo da polêmica sobre a comentarista do SBT, Rachel Sherazade, mas acho que ainda vale a pena aproveitar o assunto, para uma conversa de maturação mais longa, sobre a questão da violência em nosso país. 

Entre os diversos artigos que surgiram no calor do momento, vale apena ler o do Contardo Caligaris na Folha (1). No artigo, Calligaris fala da inexistência de uma “comunidade de destino”, um sentimento comum de país, como a principal causa para a violência endêmica que nos assola e que tanto tem assolado nossos noticiários. Segundo ele “habitamos uma zona de tiro livre” e entre nós a “coisa pública simplesmente não vingou”.

Seguindo esse raciocínio, não é difícil concluir que linchadores e bandidos são resultado da mesma conta, apenas com o sinal invertido.

Bem, todos nós, ou pelo menos a grande maioria de nós, compartilha o sentimento de que o Estado brasileiro simplesmente não existe. O que existe é um arremedo de Estado, uma espécie de força policial que garante um país para poucos. 

E não sei o que é pior: ser um país para poucos ou ser um país em que muitos querem fazer parte desses poucos. 

Entretanto, a questão é mais profunda. Afinal, como que diante do constrangimento de vermos condomínios encastelados em frente a favelas e cidades com pouquíssima estrutura – basta lembra que no Rio de Janeiro bueiros explodiam - ainda temos este sentimento de que somos brasileiros, de que algo efetivamente nos une? Como isso é possível?

Embora nosso país não seja um mar de rosas cultural, é inegável que aqui a assimilação de outras culturas de se deu de forma muito mais positiva que em outros lugares. Pedro Morandé aponta que o surgimento da América Latina se deu em meio a um projeto com elementos profundamente populares e, inclusive, voltado para a população mais pobre. 

A cidade de São Paulo, por exemplo, surgiu a partir da experiência de um colégio jesuíta, uma escola para indígenas, onde se ensinava em Tupi. O chimarrão é uma invenção dos jesuítas para os indígenas da região dos pampas. São iniciativas que, ainda que não contem com a ideia de uma sociedade pluricultural como pensamos hoje, já nasceram com o intuito de incorporar, abraçar, a cultura do outro. 

É verdade que via de regra os santos são uma pequena minoria, e aqui o pleonasmo é proposital, mas em alguns momentos da história e entre alguns grupos não raro os bons formaram um número considerável, que não conseguimos notar, tão acostumados que estamos a olharmos somente para nós mesmos.

Este processo iniciado no trabalho dos jesuítas será rompido no período do Marquês de Pombal com a supressão das ordens religiosas no Brasil em 1759. Este processo seria emblemático de duas tendências que marcariam nossa história, por um lado a convivência de diferentes culturas abraçadas pelo mesmo ideal religioso e de outro o surgimento de uma elite em oposição a este modelo, ou pelo menos ao que entendia dele.

Olhando para o mundo lá fora, vemos que os primeiros imigrantes que chegaram às treze colônias que viriam a ser os EUA acreditavam estar cruzando o Atlântico da mesma forma que o povo de Israel cruzou o mar vermelho, deixando uma terra de escravidão para uma de prosperidade, que seria marcada pela liberdade religiosa. No século III a.C o imperador Ashoka, depois de convertido ao Budismo, unificou o subcontinente indiano, construiu mosteiros e decretou uma era de paz, chegando até a enviar missionários para outros países, uma história que tem alguns aspectos semelhantes às de vários reis católicos. 

Tendo em mente essas experiências penso que é difícil falar do surgimento de uma nação sem um ideal que nos abrace inteiramente como pessoas, que nos projete para o infinito. 

Simplesmente nos faltariam motivação e forças para um ideal tão grande. 

Na nossa brasilidade acredito que já temos elementos para um ideal mais ousado. A alegria da diversidade cultural é sem dúvida um marco positivo nosso. Nenhum outro povo colocaria sushi dentro de uma churrascaria. A nossa tolerância com os fracassados, algo notado em uma excelente palestra do Prof. Dr. Alfredo Behrens que assisti recentemente. Povos ditos avançados não dão espaço para “perdedores”. Já aqui, infelizes nos negócios e desafortunados em geral ainda são queridos e estimados por suas famílias e amigos. 

E imagino que se conseguirmos estabelecer no nosso pedaço de chão a justiça, talvez mais do que queridos, os fracassados possam também vir a ser redimidos. Um farol para um mundo que cada vez mais exclui fracos e perdedores. Os portadores de doenças incuráveis, os que foram mal nos negócios, os pobres, as crianças por nascer. São perdedores que atrapalham a felicidade de nosso mundo perfeito e devem ser descartados.

A doçura, o cuidado com os mais fracos. As periferias existenciais naturalmente atraem o olhar dos brasileiros. Os pobres, os deprimidos, os tristes, todos eles despertam nossas pesquisas e preocupações. Um povo com uma inclinação natural assim pode ir muito longe com um pouco de força. E a doçura, em nenhum lugar do mundo se ri ou sorri tanto, nem na África, de quem herdamos o sorriso largo e a musicalidade. 

E contamos ainda com a fé que herdamos daqueles que primeiro vieram aqui.

Precisamos acreditar. Com um pouco de força e organização podemos avançar. Já temos um povo, só nos falta construir o país. Mas esta é a parte mais fácil. A mais difícil parece que os jesuítas já deixaram encaminhada. 

(1) http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2014/02/1414812-linchadores-e-bandidos.shtml

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