Archive for janeiro 2015

Os casais com filhos são realmente mais felizes?

Comentários sobre a última reportagem da revista Época.
E voltamos a esse assunto de novo!



Novamente essa discussão sobre ter filhos ou não ter filhos (1).

Analisando esta tabela sobre atividades mais prazerosas que coloca “cuidar de crianças” depois de “socializar no trabalho”, “assistir televisão” e “cochilar”, eu poderia jurar que a pesquisa foi feita entre alunos do primeiro e do segundo ano de alguma faculdade.

E até não seria nada demais se a reportagem não citasse Kahneman, prêmio Nobel de economia em 2003 entre suas fontes. Bem, sabemos que os artigos científicos geralmente são bem menos emocionantes dos que as reportagens que se fazem deles, mas vamos supor que a reportagem tenha feito seu trabalho direito, o que geralmente é uma suposição bem forte.

Essa discussão está dentro de uma área de pesquisa, que tem tido cada vez mais atenção chamada economia da felicidade. Para quem quiser conhecer mais, recomendo o “Handbook on the Economics of Happiness”(2), que pode ser lido no Google Books, e a dissertação de mestrado de uma colega, no banco de teses da USP (3). 

Há pesquisas com resultados dos mais diversos: pessoas casadas são mais felizes, dinheiro não traz felicidade e ainda que as mulheres têm ficado mais infelizes nos últimos anos. Além, é claro, de pesquisadores que discordam dessas mesmas coisas.

Há discussões técnicas bem interessantes, mas penso que o que chama a atenção dessas pesquisas é o fato delas tocarem em coisas muito próximas, nosso desejo de felicidade e também os preconceitos de nossa época. 

Um olhar atento sobre boa parte das reportagens sobre o tema, nos levará a perceber que em grande medida a pergunta de fundo é verificar se comportamentos com profundas raízes religiosas, como a felicidade com o sacrifício pessoal no cuidado com os filhos, não são apenas auto ilusões. 

Ilusões, como aprendemos com os professores de cursinho, que nos teriam sido colocadas em algum lugar do passado para garantir a coesão social ou servir à classe dominante da vez.

Entretanto, geralmente as pesquisas se baseiam em grupos muito limitados e desconsideram, em parte por conta do método, outros momentos da história da humanidade. E assumem que somente o modelo de sociedade secularizada europeu e norte americano é válido do ponto de vista de análise científica, pois somente estas seriam sociedade livres.

Bem, esse tipo de análise é um imenso preconceito iluminista, como se somente sociedades emancipadas da religião e dos valores tradicionais pudessem ser livres. E como se a Europa Ocidental e os EUA fossem verdadeiramente livres.

Esses estudos concluem apenas que esta limitada sociedade que analisam está mais infeliz do que parece. Mas isto diz muito pouco sobre o que o homem é. E menos ainda sobre o que pode vir a ser.

E esta forma de pensar ainda nos leva a incorrer em um erro de método. Ao buscar entender o mundo somente por médias, tomando como realidade objetiva somente o que ocorre com um número significativo de pessoas, erramos. Além de ser desumano pensar que se uma forma de viver é compartilhada por apenas poucas pessoas, logo ela é insignificante para explicar o comportamento humano.

Ainda mais quando a média é profundamente infeliz.

Entendo que cada pessoa, por ser única e irrepetível, possui um caminho particular para a felicidade. É uma descoberta, e ao mesmo tempo uma decisão, totalmente pessoal, que embora auxiliados por outras pessoas, é algo que se passa entre cada um e o próprio Deus. 

Não se trata somente de ter ou não ter filhos, fazer ou não fazer aquilo, mas de encontrar o seu caminho e o seu lugar.

Embora uma sociedade materialista e consumista talvez ache que os últimos parágrafos se pareçam com um dos castelos nas nuvens do Dawkins ou com um conto de fadas com enredo mais elaborado, entendo que o caminho para felicidade se encontra não em ter ou não ter filhos, consumir ou não consumir, fazer ou não fazer. Mas em encontrar esse caminho, inscrito em nossos corações, que nos leva à felicidade. 

Talvez devêssemos pensar assim. E abrir com uma foice o caminho fechado para a felicidade. 

Para ser feliz é preciso fazer força.



(1) http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2012/10/ter-filhos-traz-mesmo-felicidade.html . A imagem é da mesma fonte.

(2)http://books.google.com.br/books?id=zCPzDfUlNpwC&printsec=frontcover&dq=luigino+bruni+handbook+economics+happiness&ei=W38dS_ilKIq6yQTLg5HQAg#v=onepage&q&f=true

(3) Luigino Bruni é Ph.D em economia, economista das universidasdes Bocconi e East Anglia, parecerista de uma importante revista internacional, pesquisa sobre os temas economia civil e economia das felicidade, sendo um dos principais expoentes do mundo nessas áreas. É ainda um importante pensador católico contemporâneo, membro do movimento dos Focolares.

(4) http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/96/96131/tde-15052007-142028/pt-br.php




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Sobre a Tragédia de Charlie Hebdo

E outras tragédias do Ocidente

A semana passada assistiu intensos debate em todo o mundo, marchas de multidões pela liberdade de expressão, marchas menores contra a presença de estrangeiros na Europa e as análises da CNN sobre o que deu errado na vigilância contra os terroristas, como se tudo fosse apenas um problema técnico que pudesse ser evitado.

Aos poucos parece que emergiu um consenso, pelo menos dentro do grupo social de que faço parte, que penso poder ser expresso mais ou menos assim:

“Se é pela liberdade de expressão e contra atos de terrorismo de qualquer natureza, Je sui Charlie, agora, se é pelo conteúdo da revista, Je ne suis pas Charlie” . O que eu particularmente acho de bastante bom senso.

Mas o que penso que ficou faltando neste debate, e ainda falta, é realmente sairmos do impasse em que se encontra o Ocidente todo em termos de mindset e nos convencermos de que uma solução tecnocrática não nos salvará.

Alguns defendem que a solução trata de uma maior sofisticação da polícia, prevendo os casos de terrorismo, o que, convenhamos, é simplesmente impossível, embora seja razoável sempre aperfeiçoar as técnicas de segurança. Outros chegaram a cogitar alguma forma de censura, em nome da liberdade religiosa.

De um lado a liberdade, do outro a igualdade.

Se a Revolução Francesa não tivesse guilhotinado a fraternidade, talvez tivesse algo a dizer para o mundo.

O problema das soluções acima, e que de uma forma ou de outra é onde está polarizado o debate, é que enxergam somente uma relação indivíduo-estado. E não entre pessoas. Não se pensa a respeito da capacidade de se convencer (e ser convencido), da capacidade de autorregulação dos grupos sociais, ou do diálogo entre as diversas comunidades de fato que compõe qualquer sociedade.

E qualquer convite à automoderação em nome de um bem maior é considerado uma afronta à liberdade individual. Mas sem a fraternidade, de que nos vale a liberdade?

A liberdade em si é incapaz de nos tornar felizes. É um bem, por assim dizer, necessário, mas insuficiente, só vale enquanto meio para que eu possa viver da forma que me realiza plenamente enquanto pessoa.

Mas onde encontrar energia suficiente para ir ao encontro do outro, dessa comunidade que me agride? E que me agride verdadeiramente, afinal, pensar que militantes jihadistas são apenas um grupo de incompreendidos é no mínimo muita, mas muita, ingenuidade.

Acredito que a parcela da sociedade a que pertenço, a dos homens e mulheres que reencontraram, ou descobriram de fato, a fé cristã nas últimas décadas, não pode se omitir de contribuir no debate oferecendo uma resposta à altura da sua esperança. À altura do tesouro escondido que encontraram, ainda que muitos, olhando de longe, ou com má fé, pensem não passar de mais uma daquelas bijouterias antigas que depois se descobriram falsas.

Entre junho e julho de 1219, São Francisco de Assis viajou até Damieta, no Egito, onde se travava uma das cruzadas, contra os sarracenos. Depois de pregar aos cruzados, ultrapassou a linha de batalha e se deixou fazer prisioneiro. São Francisco foi levado à presença do sultão, ao qual tentou convencer da fé cristã e a quem pediu por um tratamento digno para os prisioneiros cristãos.

Pela mesma época, missionários franciscanos foram ao Marroccos pregar, sendo por fim mortos.

Francisco não conseguiu convencer o sultão. E os franciscanos morreram no Marrocos.

Mas, quando o corpo dos primeiros mártires franciscanos passou por Portugal no caminho para Assis, um jovem português, chamado Fernando, tomado de comoção, decidiu se juntar aos franciscanos. Este jovem depois passou a ser chamado Antônio, Santo Antônio, tão presente no folclore brasileiro quanto desconhecido pelo homem que é.

Esses mortos nos falam. Pois estão mais vivos do que nós. O sacrifício de Francisco não foi em vão.
O nome de Francisco, e de seus autênticos seguidores, é, há quase 800 anos, uma bandeira de paz, reconciliação e verdade. E desde o seu surgimento sustentaram os valores da sociedade em momentos dos mais difíceis.

Esses homens são pilares de uma civilização fundada no perdão, na paz e no respeito ao próximo, ainda quando este está distante. Uma civilização fundada também no amor ao belo, ao verdadeiro, na coragem e na ousadia.

É disto que precisamos. Precisamos de novos desses franciscanos. Homens e mulheres dispostos a viver até o extremo por uma verdadeira vida. E não por uma caricatura dela. 

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O Papa aos Movimentos e Novas Comunidades: Frescor do Carisma e Unidade Eclesial

Por Marcos Gregório Borges*





Recentemente o Papa Francisco, acolhendo os participantes do III Congresso Mundial dos movimentos eclesiais e novas comunidades, que aconteceu em Roma, de 22 a 24 de novembro, proferiu um discurso breve, em que apontou alguns aspectos pastorais que devem permear a caminhada daqueles que estão inseridos nestas novas realidades, às quais, segundo o santo padre, caminham para uma fase de “maturidade eclesial”: Manter o frescor do carisma original, respeitar a liberdade das pessoas e buscar a comunhão eclesial.

Com este discurso, o santo padre quis apontar questões muito concretas que estão relacionadas com os desafios atuais que as novas comunidades enfrentam em sua caminhada. Francisco lembrou que a novidade trazida por elas não consiste tanto nos métodos e formas utilizados, mas antes “na disposição de responder com renovado entusiasmo ao chamado do Senhor”, entusiasmo sem o qual sequer estas novas realidades existiriam, como demonstram a história de suas fundações. Desta forma, não se pode, segundo Francisco, cair na tentação de fiar-se em “esquemas tranquilizadores, mas estéreis”.

Neste sentido de abertura ao novo, o santo padre apontou para outro grande desafio a ser enfrentado pelos movimentos e novas comunidades: A comunhão eclesial. No entanto, o papa não se ateve apenas a chamar a atenção das novas comunidades para o sempre necessário esforço de conversão pastoral em vista da unidade com a Igreja hierárquica, integrando plenamente a vida da comunidade dentro da vida da Igreja, mas abordou outro aspecto importante que decorre da unidade: A comunhão em vista de responder as questões mais sensíveis da sociedade de nosso tempo.

Segundo Francisco, “os movimentos e comunidades são chamados a trabalhar em conjunto para ajudar a curar as feridas causadas por uma mentalidade globalizada que coloca o consumo no centro, esquecendo-se de Deus e dos valores essenciais da existência”. Talvez aqui esteja um dos grandes desafios que as comunidades novas precisam enfrentar. Como um bom pastor, Francisco não apontou soluções prontas, mas apenas o caminho que considera adequado, na certeza de que os movimentos e comunidades novas, se forem capazes de manter o vigor próprio do carisma originário, possuem criatividade para responder a este desafio de forma nova.

Neste novo tempo, chamado pelo próprio Sumo Pontífice de “tempo de maturidade eclesial”, cada movimento e nova comunidade é convidado a uma experiência de abertura à diversidade de carismas, partilhando de seus dons com os demais e acolhendo a riqueza existente em cada realidade, em um caminho de autêntica e fecunda comunhão fraterna que possibilite o surgimento de novas e verdadeiras amizades.

Assim como cada carisma específico só pode desenvolver-se a partir da comunhão de um grupo mínimo de pessoas em torno de um objetivo em comum (ou seja, não basta existir o fundador se não existirem pessoas em comunhão com ele em torno daquele objetivo), não é possível a construção de iniciativas em comum, como nos aponta o papa, se não existir antes verdadeira comunhão entre os carismas, e esta não pode ser construída a partir de meras reuniões e iniciativas estratégicas, mas sim a partir de um verdadeiro caminho de amizade, do qual nasce a confiança necessária para trabalhar com o outro em torno de um objetivo em comum.


Desta forma, neste novo tempo, peçamos ao Espírito Santo que alargue os nossos corações, e nos dê a coragem para avançarmos para águas mais profundas, nas águas profundas da diversidade dos carismas existentes, sem medo de acolhermos o novo que Deus quer nos dar a partir do dom da unidade.

* Marcos Gregório Borges é filósofo, coordenador do movimento Veritatis Mater e do grupo Coração Novo para Um Mundo Novo, composto por 5 novas comunidades e movimentos presentes na cidade de São Paulo. 

Artigo publicado originalmente na edição n.º 3034 do Jornal O São Paulo, de 14 a 20 de janeiro de 2015, página 2, seção "Opinião".

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