Archive for 2015

Laudato si' - um chamado à Ecologia Integral

Prezado(a) colega,

Laudato si’, a encíclica ecológica e social do Papa Francisco, vem tendo grande impacto no mundo todo por sua capacidade de valorizar temas caros aos que lutam pela conservação do meio ambiente, pela sustentabilidade e pela justiça social. Francisco, com seu modo de ser e de se expressar, repropõe a questão em sua dimensão ética, associando-a a uma espiritualidade aberta a todos, em oposição à predação da natureza, ao individualismo e ao consumismo, afirmando que conservação ambiental, qualidade de vida e combate à pobreza estão sempre juntos.

Nesta perspectiva, a encíclica pode ajudar e fortalecer o trabalho de cientistas, técnicos e engenheiros, advogados, educadores, profissionais de mídia, líderes sociais e todos os demais que se dedicam à questão ambiental. Para desenvolver esta contribuição, dentro do evento “Laudato si’ – um chamado à ecologia integral” (programa anexo ou em http://feculturapucsp.blogspot.com.br/) nos encontraremos em grupos temáticos, com o intuito de criar uma rede de reflexão e trabalho conjunto. Partiremos, após uma rápida introdução, para este trabalho conjunto, das perguntas:

Quais são os princípios norteadores, alinhados à mensagem da Laudato si’, que podem orientar o ecossociodesenvolvimento no Brasil de hoje?
Quais luzes a encíclica pode lançar sobre a sustentabilidade ambiental e a redução de pobreza?

O encontro será realizado na terça-feira, 29 de setembro, das 17 às 19 horas, na PUC-SP. Inscrições devem ser feitas pelo e-mailfecultura@pucsp.br, dando nome, área de atividade, formação e tema de interesse (p.ex. ética, espiritualidade, educação, ciência e tecnologia, combate à pobreza, relações internacionais). Contamos com sua participação e colaboração na divulgação desta proposta a seus amigos e colegas de trabalho. Serão emitidos atestados de participação aos interessados. Também podemos fazer um outro convite, com termos mais específicos, vinculados ao cargo, à instituição e até a chefias imediatas para aqueles que necessitarem.

Prof. Dr. Francisco Borba Ribeiro Neto
Núcleo Fé e Cultura - PUC-SP

Prof. Dr. Arnaldo J. de Hoyos
Cátedra Ignacy Sachs -
PUC-SP

Prof. Dr. Marcos Vinicius de Campos
Rede de Ação Política pela Sustentabilidade

Profa. Dra. Consuelo Y. M. Yoshida
Grupo de Pesquisa Ordem Política, Econômica
e Social e o Meio Ambiente -
PUC-SP

Mesas redondas


O COMPROMISSO ÉTICO, POLÍTICO E ECONÔMICO COM O MEIO AMBIENTE NA LAUDATO SI’
Cardeal Odilo P. Scherer, Rubens Ricupero (ex-ministro do Meio Ambiente e Secretário Geral da Organização Internacional para o Comércio, conselheiro da RAPS, Rede de Ação Política para a Sustentabilidade), Ladislaw Dowbor (economista, PUC-SP, Cátedra Ignacy Sachs para o Ecossociodesenvolvimento), Consuelo Yoshida (juíza, PUC-SP, Direito Ambiental), Giovana Girardi (jornalista especializada em meio ambiente, jornal
O Estado de São Paulo).
Ø  29 de setembro, terça-feira, das 19h30 às 22h30. TUCA, R. Monte Alegre 1024, Perdizes


PROPOSTAS DE PROJETOS ALINHADOS À MENSAGEM DA LAUDATO SI’
Arnoldo de Hoyos (PUC-SP, NEF e Cátedra Ignacy Sachs para o Ecossociodesenvolvimento), coordenadores de Grupos de Pesquisa da PUC-SP e outros especialistas
Ø  30 de setembro, quarta-feira, das 9h às 12h. Auditório 239 PUC-SP Perdizes, R. Monte Alegre 984, Perdizes


TECNOLOGIA E ECOLOGIA NA ENCÍCLICA DO PAPA FRANCISCO
Dom Carlos Lema Garcia (Vigário Episcopal para a Educação e a Universidade), Francisco Borba Ribeiro Neto (sociólogo e biólogo, Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP), Marcelo Barroso (engenheiro ambiental, ISITEC), Giuseppe Renato di Marzo (engenheiro, PUC-SP), Cristiana Fusco (diretora do campus de Ciências Exatas, PUC-SP), Paulina Chamorro (jornalista especializada em meio ambiente, Rádio Eldorado)
Ø  30 de setembro, quarta-feira, das 20h30 às 22h.Auditório PUC-SP Consolação, R. Marquês de Paranaguá 111


ESPIRITUALIDADE E MEIO AMBIENTE NA LAUDATO SI’
Cardeal Cláudio Hummes, Márcia M. Cabreira (geógrafa, PUC-SP), Marlise Bassani (psicóloga ambiental, PUC-SP), Edison Veiga (jornalista, jornal O Estado de São Paulo)
Ø  1 de outubro, quinta-feira, das 20h30 às 22h. Auditório PUC-SP Santana, R. Voluntários da Pátria 1653 

Serão emitidos atestados aos participantes que se inscreverem pelo e-mail fecultura@pucsp.br 

REALIZAÇÃO
·  Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
·  Núcleo Fé e Cultura da Coordenadoria de Pastoral Universitária
·  Núcleo de Estudos do Futuro
·  Núcleo de Análise de Conjuntura Internacional (NACI)
·  Núcleo Configurações Contemporâneas da Clínica Psicológica
·  Cátedra Ignacy Sachs para o Ecossociodesenvolvimento
·  Grupo de Pesquisa Ordem Política, Econômica e Social e o Meio Ambiente
·  Grupo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares (GEPI)
·  Grupo de Pesquisas em Desenvolvimento e Política Econômica (DEPE)
·  Grupo de Pesquisa para o Desenvolvimento Humano (PDH)
·  Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Interdisciplinaridade na Educação
·  Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologia (Campus Consolação)

·  Rede de Ação Política para a Sustentabilidade (RAPS)

APOIO
·  O Estado de São Paulo
· Jornal O São Paulo, Arquidiocese de São Paulo
·  Revista O Mensageiro de Santo Antônio
·  Paulinas Editora



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Compartilharmos nossas esperanças mais do que a nossa indignação

Marcos Gregório Borges é filósofo e um dos fundadores do grupo Coração Novo para um Mundo Novo dedicado ao trabalho integrado entre movimentos e novas comunidades na perspectiva de uma maior presença cristã na vida pública. Participa como colaborador nas atividades do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

O Brasil vive uma gravíssima crise política, com um dos maiores escândalos de corrupção de nossa história. O país atravessa uma recessão econômica, tendo que suportar um duro ajuste fiscal. Entretanto, talvez nos cause maior perplexidade vermos o governo e o congresso nacional, diante deste difícil cenário, travarem uma terrível queda de braço por poder, onde interesses pessoais se sobrepõem ao bem comum.

Diante desta situação, nos sentimos indignados, queremos fazer alguma coisa, desejamos que algo aconteça, que justiça seja feita. Assaltam-nos perguntas do tipo: O que temos que fazer? O impeachment é a solução? E a reforma política? Precisamos de novas lideranças, mas onde elas estão? Afinal de contas, qual é o meu papel em tudo isso? Eu posso fazer alguma coisa? E o que eu fizer, vai resolver alguma coisa?

As manifestações contra o governo, no domingo, 16 de agosto, mesmo que não tenham sido tão grandes como as de 15 de março, foram um sinal claro de insatisfação popular. Mas esta insatisfação já se tornou evidente nas pesquisas de opinião pública, nas conversas informais ou nas análises políticas.

Podemos dizer que as pessoas vivem um momento em que compartilham sua indignação, que se manifesta das formas mais diversas. Mas a indignação por si mesma não é capaz de construir nada. Quando levada ao extremo, ela pode gerar a desesperança à medida que ela nos faz acreditar que não há uma luz no fim do túnel.

O Papa Bento XVI, na Spe salvi, nota que a esperança não é um olhar ilusório sobre o futuro, mas o reconhecimento de algo já presente e que tende a crescer. Ela nasce de experiências humanas concretas que são construtoras de humanidade, que renovam em nós a alegria de sermos humanos. Uma mãe, que em meio a uma situação social desfavorável é capaz de educar e criar o seu filho com todo carinho e amor, dando a ele a esperança de um futuro melhor, um profissional, que realiza o seu trabalho da melhor maneira possível porque sabe que existe outra pessoa que necessita do fruto do seu trabalho, um militante que se esforça para servir ao bem comum.

Quando vivemos e compartilhamos estas experiências, por mais simples que sejam, percebemos que a vida vale a pena e encontramos o sentido da caminhada. Estas pequenas experiências precisam, sem dúvida, de encontrar formas políticas de se expressarem, mas são fundamentais para que não nos percamos em jogos de poder e discursos ideológicos que não constroem a novidade que prometem.

Neste tempo somos convidados a compartilhar a nossa esperança, permitindo que ela nos vincule uns aos outros à medida que reconhecermos a humanidade na experiência do outro, construindo uma unidade em torno de uma mesma esperança compartilhada. Desta experiência surge naturalmente um anseio comum por participação na construção de algo novo, e é neste momento que as verdadeiras mudanças podem acontecer. Não se trata de, ingenuamente, negar as dificuldades da realidade, mas de perceber na vida compartilhada os sinais que nos indicam por onde sair da crise. A força do povo não pode nascer de discursos ideológicos, que mais cedo ou mais tarde se mostram ilusórios, mas da partilha dos gestos concretos de construção de uma nova realidade. Por isso, compartilhemos as nossas esperanças mais do que a nossa indignação.

Jornal "O São Paulo", edição 3066, de 27 de agosto a 02 de setembro de 2015.

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Francisco, a Igreja e a mídia

Publicado originalmente em “O São Paulo”.

Quem lê na imprensa os comentários à atuação do Papa Francisco, como por ocasião da publicação da Laudato si’ ou de sua recente viagem pela América do Sul, encontra em muitos casos uma posição curiosa: “Falemos bem do Papa e mal da Igreja”. Críticos tradicionais da Igreja elogiam o Papa como se ele fosse um ponto totalmente fora da curva, como se dissessem: ESTE papa é bom, mas o resto da Igreja continua sem merecer consideração. 

É difícil falar do catolicismo, porque é falar de nossa infância, de nossos pais, de nossa história. Mesmo na sociedade brasileira, já bastante secularizada, diversos temas – como as demandas da comunidade LGBTI, a educação dos jovens ou os problemas de segurança pública – remetem, ainda que por oposição, ao Catolicismo. E a força com que parcelas da sociedade tentam se afastar do catolicismo reafirma paradoxalmente o quão fundamental ele é na formação e na visão de mundo dos brasileiros, o quanto nos influenciou e o quanto está impregnado em nós. 

Se cada um deseja ou não seguir esta fé é uma outra questão, mas interessa a toda a sociedade civil que o debate seja feito com honestidade. Pois, sejamos católicos ou não, o catolicismo é um dos fundamentos, talvez o principal, da formação do povo brasileiro. Compreender o Catolicismo de forma clara, sem reducionismos ou preconceitos, é compreender grande parte da própria gênese do nosso povo, de nossa cultura, é parte importante do conhecimento sobre nós mesmos. 

A mídia pouco fala nisso, mas um grande número de pessoas se converteu ao Catolicismo nas últimas décadas. Podem ser não católicos que se batizaram ou, mais frequentemente, batizados que descobriram sua fé. Aos poucos vão descobrindo a beleza e a riqueza humana e cultural da mensagem cristã. Descobrem que se houve conflitos com Galileu, o Padre Lamaître no início do século XX foi o precursor da Teoria do Big Bang, que Mendel, pai da genética era um monge, que a geologia teve importantes contribuições do Padre Nicolau Steno. Vão descobrindo catedrais e obras de arte feitas há séculos que as grandes multinacionais de hoje, mesmo com mais recursos e tecnologia, não conseguem imitar. Descobrem que no período colonial os missionários, tão acusados hoje em dia por sua atuação junto aos índios, foram seus grandes defensores, enquanto governos e pensadores “laicos” permitiam e justificavam sua escravização e a expropriação de suas terras. Descobrem que a Igreja vai muito além da tríade do mal, inquisição-cruzadas-venda de indulgências, repetida ad nauseam no ensino médio e, não raro, de forma rasa e descontextualizada. 

Não conhecendo a doutrina e a história do povo cristão em sua riqueza e sua humanidade, o mundo de hoje confunde os erros de alguns cristãos com os valores que iluminaram e humanizaram nossa sociedade. Como se a culpa do mensalão fosse dos valores democráticos e todos os que militam pela democracia fossem culpados pela corrupção. Papa Francisco não é uma estrela solitária em um céu escuro e sem brilho. É o fruto providencial de uma história tanto de mártires heroicos quanto de santos do cotidiano. Ele é um cristão que “segue a Igreja”, como ele mesmo disse aos jornalistas no voo de retorno da América do Sul.

Papa Francisco é o líder mundial mais respeitado da atualidade. Mas não há Papa Francisco sem toda a Igreja Católica, com toda a sua santidade e todo o seu pecado.

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SOBRE AS UNIÕES CIVIS

Comentário acerca da recente aprovação das uniões civis de homoafetivos nos EUA e na Irlanda, as campanhas contra o Arcebispo de São Francisco (1), D. Francis Cordilone, por ter reafirmado o ensino da moral católica nas escolas da sua arquidiocese e a morte de Leelah O’Conor (2).

Acredito que o tema já tenha sido bastante debatido nas últimas semanas, mas gostaria de adotar uma perspectiva que entendo ser fundamental, mas que tem sido pouco explorada: no plano de fundo deste debate está uma discussão acerca do que é, afinal, felicidade. 

De um lado, temos uma sociedade cujas ideias de liberdade, autoafirmação e subjetividade foram ganhando cada vez mais força e são hoje, para a grande maioria das pessoas, os vetores do que chamamos felicidade, auto realização. 

Para essa parcela da população, não podemos falar propriamente de leis naturais, de razão totalmente isenta ou de uma regra válida de comportamento para todos, porque estas, segundo dizem, simplesmente não existem. O que existe são diferentes pessoas, com personalidades diferentes, as leis deveriam apenas conter a violência física ou psicológica a que podemos nos submeter uns aos outros, para garantir que cada um, a partir de sua liberdade, possa buscar sua realização pessoal. 

Do outro lado, existe uma parte da sociedade, que ancorada principalmente, ou em grande medida, na experiência religiosa pensa de maneira diferente. E aqui a palavra experiência é importante, e no sentido “mais empírico do termo”, já que são séculos e séculos experimentando a mesma forma de vida. Para nós, a felicidade é uma busca, uma busca de algo fora de nós e que nos diga qual o caminho a seguir (3). A verdade se encontra assim fora de nós mesmos, na razão, na natureza, em última instância em Deus. 

E pela fé, sabemos ser, na verdade, uma busca de Deus por cada homem e por cada mulher, até que nos deixamos encontrar. E a cada dia, a cada momento, essa busca se renova. 

Eu diria que para nós a felicidade é mais de fora para dentro do que de dentro para fora. 

Mas como filho deste século, me parecem bem mais intuitivos os primeiros parágrafos. E acredito que talvez seja esse o grande desafio para nós hoje. Como dizer que este Encontro que afirmamos existir não é apenas uma gaiola dourada? Como dizer que o conjunto de leis sob os quais escolhemos viver não é apenas uma camisa-de-força cujo design vai variando e ficando mais colorida ao longo dos séculos? 

Como dizer, enfim, que essas leis, longe de serem arbitrárias como muitas que existem, na verdade revelam a verdadeira natureza do coração humano e assim tornam possível nossa autêntica realização?

Eu entendo que todo debate, toda denúncia que se faz sobre esses temas é importante. São luzes em tempos confusos que nos ajudam a manter a sanidade. Mas a maior contradição que podemos oferecer a este mundo em que, para o bem e para o mal, a Igreja se confunde cada vez menos com a sociedade civil, é sermos felizes. Nós não deveríamos ser felizes e somos. 

Mas não é suficiente a felicidade dos excêntricos. Ou daqueles que escolheram um ideal de vida bonito, mas inatingível para a grande maioria das pessoas. É preciso uma felicidade comunitária, a felicidade de uma nova sociedade. 

Precisamos reconstruir a cidade católica, retirá-la debaixo das ruínas da cidade em que ela se escondeu. Não apenas como uma cidade utópica, ideal, mas uma cidade concreta, feita dos nossos hospitais, nossas escolas, nossas paroquias, movimentos, comunidades e ordens novas e antigas. É preciso que reconheçam em nós aquele intercâmbio de dons do qual fomos chamados a ser sinal. 

É preciso reconstruir a cidade católica. Em cima do monte, no coração da cidade.

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As Dúvidas de Fé

Como me converti ao catolicismo à partir de uma experiência de dúvida e descrença,  me toca muito profundamente o debate que envolve a relação entre verdade, liberdade e fé. E por consequência as dúvidas de fé. 

Li há algum tempo uma história muito interessante e bela sobre o tema. 

Conta-se que certa vez ocorreu um fato mas ou menos assim (1): um cavaleiro de S. Luís estava atormentado por dúvidas de fé. Em diálogo com o santo rei, este lhe confidenciou que nunca teve semelhantes dúvidas e lhe contou uma bela parábola:

"Qual é a cidade mais importante da França?"  Perguntou o Rei. Ao que o cavaleiro prontamente respondeu se tratar da sede do reino. "Mas a sede do reino está bem guardada pelas suas muralhas, que raramente avistam um soldado inimigo...". "Já as cidades da fronteira estão sempre em batalhas e os cavaleiros que lá combatem são mais valorosos". 

"Deus saberá recompensar os seus cavaleiros mais valorosos". 

O santo rei fez uma interessante analogia entre as lutas dos reinos temporais com a do reino espiritual, surpreendentemente tratando o homem acabrunhado pelas dúvidas não como um covarde, mas como um valoroso combatente. 

Este rei do século XIII que a Igreja Católica venera como santo foi ainda célebre por criar o que talvez tenha sido a primeira reserva de animais da Europa (proibindo a caça), famoso ainda por sua doçura para com a esposa - chegando a escandalizar os jihadistas de seu tempo por pedir conselhos à sua esposa quando foi feito prisioneiro e ainda famoso por um precioso testamento que deixou a seu filho (2). Entre muitas outras coisas. 

(1) Conto a história de memória e a fonte não me está prontamente acessível, mas foi recolhida em uma das revistas do movimento Arautos do Evangelho. 
(2) http://cleofas.com.br/testamento-de-sao-luiz-rei-da-franca-a-seu-filho-2/

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A maioridade Penal

Eu começaria a discussão acerca da maioridade penal pelas escolas. Não com aquele vago determinismo de que a criminalidade é apenas resultado das condições materiais em que as pessoas cresceram. Isto é como eu respondia às questões das provas de estudos sociais muitos anos atrás, antes de saber que isso é simplesmente determinismo. 

Basta observar países asiáticos com taxas de pobreza maiores do que a nossa e criminalidade bem menores para notar que o problema é mais complexo. 

Penso na escola como um local, ou uma comunidade, de justiça.

Se os alunos fraudam as provas, se nos corredores quem tem poder é o mais forte, se a atenção do Estado é maior no sentido de evitar punição ao aluno em conflito com a instituição escolar do que oferecer ao bom aluno um ambiente propício ao estudo, qual é o sinal que o sistema educacional envia a esses alunos?

O sinal de que é necessário estar entre os mais fortes e aprender a fraudar o sistema, do contrário, você será simplesmente ignorado. E os alunos estão perfeitamente corretos quando leem isto nas entrelinhas, pois é exatamente isso que acontece.

Assim, ao invés de tentar implementar a justiça por meio de um aumento no rigor na lei, cujos efeitos serão provavelmente muito pequenos, haja visto que nosso sistema penitenciário para adultos já não funciona, acredito ser mais interessante restabelecer a justiça nas escolas, cultivando e cercando de mais atenção e recursos essa sociedade embrionária.

É verdade que escolas saudáveis passam por salários mais dignos para os professores, estrutura física adequada e tantos outros aspectos materiais. Mas o princípio de toda e qualquer sociedade, seja com o Leviatã hobbesiano, seja com Locke, passa por cessar minimamente a violência injusta. 

O primeiro passo passa por tornar a escola segura para os bons alunos.

E não há como falar disso sem remeter à autoridade dos professores e aos recursos de que dispõe para punir alunos em conflito com a instituição escolar. Afinal, o que vamos fazer com os alunos em conflito com a escola?

Reinserir alunos em liberdade assistida em salas de aula, ou impedir, com transferências sem fim, a expulsão de alunos violentos, como tem sido feito, gera um ambiente insustentável para o estudo e a segurança da comunidade escolar. 

Isto também não significa que devemos deixar alunos nessa situação à própria sorte, também são parte da sociedade. Imagino que poderiam ser pensadas instituições paralelas, em parceria com organizações da sociedade civil para lidar com esses casos. E assim garantir que as escolas sejam comunidades em que prevalece a justiça.

Penso que este é o início de uma sociedade de paz. Uma sociedade que possa ter inclusive forças para incluir seus membros em maior dificuldade.

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Ainda sobre a Maioridade Penal

Uma das discussões de fundo nessa questão da maioridade penal é a real responsabilidade que os adolescentes têm por seus atos. E como os temos tratado de maneira infantilizada.

Lembro de um comercial do exército brasileiro que fazia uma associação entre a vida militar e um jogo de videogame. 

Quando a propaganda governamental assume que os adolescentes não pensam em outras coisas que não sejam sexo, festas e diversão, tentando tornar tudo o mais lúdico possível, não os está desprezando como pessoas? Será que são assim tão incapazes de coisas grandiosas, de gestos gratuitos e belos? 

E não estaria aí parte do tédio e da tristeza pelos quais passam muitos adolescentes, a ausência daquela saudável tensão entre o que somos e o que nos desafia, que nos mantém vivos?

Lembro de uma visita que fiz à Fundação Salvador Arena. Fique surpreso com o silêncio das salas de aula e mais ainda por encontrar um doutorando em física da USP sendo auxiliado por dois alunos do ensino médio devido aos conhecimentos destes de eletrônica. 

Lembro ainda de projetos da Junior Achievement em que adolescentes desenvolveram produtos bastantes interessantes e mesmo uma forma de evitar contaminação de lençóis freáticos. E lembro ainda da seriedade grave de profunda de jovens em projetos da Igreja Católica. 

Não desprezemos nossos adolescentes. Eles podem dar grande contribuição à sociedade na geração de bens e serviços e no desenvolvimento de novas tecnologias. Como diz a regra dos monges beneditinos: “É comum Deus se revelar aos mais jovens”. Então penso que devemos tratá-los com seriedade.

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A respeito da maioridade Penal

Há diversas questões entrelaçadas com a discussão que se tem feito sobre o tema. A primeira é uma questão de princípios, se adolescentes de 16 anos são suficientemente maduros para serem responsabilizados por seus atos. 

A resposta para esta primeira questão para mim é um simples sim. Aos 16 anos homens e mulheres podem votar, tem todas suas faculdades sexuais e raciocinam com clareza. Se a natureza e a sociedade política os trata como adultos, por que a lei não trataria?

A segunda questão que eu vejo é de ordem técnica: uma redução na maioridade pena reduziria a criminalidade? Bem, não encontrei estatísticas sobre o tema, assim posso apenas arriscar uma resposta. Diria que sim, mas muito pouco. O aumento do custo da criminalidade tende a tornar mais arriscado para os adolescentes e mais cara para os aliciadores, a prática do crime. Mas como boa parte dos crimes parece estar ligada ao tráfico de drogas, é difícil imaginar o impacto deste “aumento de custo”. 

E também não faz muito sentido inserir os adolescentes no sistema penitenciário dos adultos que está falido. Não seria mais simples melhorar os sistemas que já existem nesse sentido para adolescentes infratores? Ou melhorar o sistema penitenciário? Ou aumentar a efetividade da ação policial?

E ainda vejo uma terceira questão de ordem política: é este o momento para avançar nessa discussão da maioridade penal? Eu diria que não. 

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Por que eu creio

Em 1996, com 13 anos, participei de um retiro para adolescentes convidado por amigos. Eu estava interessado em uma menina que ia participar e em jogar futebol nos momentos de recreação, havia um campo muito bom naquele lugar. E em um dos momentosdesse retiro tive uma experiência religiosa que me marcou por toda a minha vida, e que marca minha conversão ao catolicismo.

Antes do primeiro momento do retiro, foi realizada a entrada de uma imagem de Nossa Senhora. Alguns adolescentes se emocionaram muito e aplaudiram. Eu fiquei desconfortável com aquilo, não aplaudi. E pensava comigo que estavam fazendo lavagem cerebral naqueles adolescentes. 

Em uma das noites do retiro, a segunda, pelo que me lembro, foi realizado um momento de adoração. A adoração consistia em cantos e leituras espontâneas de trechos bíblicos, conforme os adolescentes sentiam impulsionados a fazer. Isso diante da hóstia consagrada exposta, o Santíssimo Sacramento. 

A certa altura, o diácono que presidia o momento encontrou um crucifixo partido, se não me engano, sem os braços e as pernas. Perguntou se era de alguém, pediu que checassem seus terços para ver se alguém tinha perdido e não era ninguém. Ou ninguém deu falta dele. E a a partir desse crucifixo começou uma pregação com "Estamos mutilando o Corpo de Cristo..."

Nesse momento, eu me irritei, me senti acusado de algo e achei que o diácono exagerava e tentava me induzir a alguma coisa. Mas por este momento tive uma dúvida. E se fosse verdade? 

E nesse momento, olhei para a Hóstia Consagrada no meio do salão e disse interiormente:  “Senhor, se o Senhor é verdade, eu quero te conhecer”.

Não consigo descrever exatamente o que aconteceu. De repente, é como se eu me visse (mas não via, embora sentisse), diante de um homem, que eu sabia interiormente que era o Cristo. E diante dele, é como se eu visse toda a minha vida e me sentia profundamente pequeno, me vinha à mente a palavra mediocridade e via como minha vida havia sido medíocre até ali. E eu sentia uma dor enorme, profunda, por perceber que eu não tinha nada para entregar para Ele, via que até ali não havia feito nada de verdadeiramente bom na minha vida. 

Interiormente eu me arrependi, sem conseguir formular uma frase de arrependimento, e imediatamente me senti como que mergulhado em um fogo e me sentia amado, amado, amado como nunca havia sentido antes e como até hoje não consigo expressar. Imensamente amado, e eu sabia, de alguma forma, que diante de mim estava o Cristo, que havia morrido na cruz para me salvar e que Deus são três pessoas em um só Deus, e que Cristo falava comigo por meio do Espírito Santo.

Fora do salão caia uma chuva torrencial e lembro que este momento se encerrou juntamente com o fim da chuva. 

Eu olhei o relógio e vi que haviam se passado cerca de duas horas, mas eu sentia como se fossem quinze minutos. E eu me sentia leve, novo, Como nunca me havia sentido. No dia seguinte me chamou a atenção que até no futebol eu tinha mais agilidade e leveza. 

E eu olhava para as pessoas no salão, os outros adolescentes, e eu os amava, sabia que eram meus irmãos, eu os amava mais do que havia amado minha própria família até ali. E eu refletia pensando que aquele sentimento não era meu, afinal horas antes meus sentimentos eram totalmente diferentes e eu percebia que era algo que me havia sido dado, sem esforço. 

Mas, mesmo depois do fim da oração, eu ainda sentia a "presença" de Deus. Era como se o ar, que antes eu achava vazio agora estava preenchido, denso. E eu continuava a falar com Ele interiormente. No caminho entre o salão e o lugar que dormíamos eu ia falando interiormente: "Senhor, o que eu posso querer agora?", "Eu quero o Senhor". E refletia "eu encontrei a chave que abre a História". E ficava profundamente comovido, embora não derramasse lágrimas ou algo do gênero, mas sereno, em paz, com uma paz sólida, indestrutível. 

E para mim, a memória deste momento é o ato fundamental da minha fé. E que para mim parece que foi ontem, acredito que não passei um dia de minha vida desde então sem pensar no que se passou. 

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ENCONTROS CORAÇÃO NOVO PARA UM MUNDO NOVO

E o Brasil se tornou um país de manifestações. Somos todos contra a corrupção. Estamos diante de uma crise endêmica? O que devemos fazer? Como compreender de forma ponderada e assertiva o que acontece com a nossa sociedade?

Lembramos que o Grupo Coração Novo para um Mundo Novo é um grupo formado por participantes de movimentos e novas comunidades que tem por objetivo encontrar formas de contribuir efetivamente com a sociedade civil, nos tornando protagonistas do mundo novo que queremos, seja no trabalho, na cultura ou na participação nos debates políticos de nosso tempo. 

Nossos encontros são sempre às primeiras quintas, excepcionalmente este, que por conta da Semana Santa, será realizado no dia 9/4.

Segue o convite para nosso próximo encontro.


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Os casais com filhos são realmente mais felizes?

Comentários sobre a última reportagem da revista Época.
E voltamos a esse assunto de novo!



Novamente essa discussão sobre ter filhos ou não ter filhos (1).

Analisando esta tabela sobre atividades mais prazerosas que coloca “cuidar de crianças” depois de “socializar no trabalho”, “assistir televisão” e “cochilar”, eu poderia jurar que a pesquisa foi feita entre alunos do primeiro e do segundo ano de alguma faculdade.

E até não seria nada demais se a reportagem não citasse Kahneman, prêmio Nobel de economia em 2003 entre suas fontes. Bem, sabemos que os artigos científicos geralmente são bem menos emocionantes dos que as reportagens que se fazem deles, mas vamos supor que a reportagem tenha feito seu trabalho direito, o que geralmente é uma suposição bem forte.

Essa discussão está dentro de uma área de pesquisa, que tem tido cada vez mais atenção chamada economia da felicidade. Para quem quiser conhecer mais, recomendo o “Handbook on the Economics of Happiness”(2), que pode ser lido no Google Books, e a dissertação de mestrado de uma colega, no banco de teses da USP (3). 

Há pesquisas com resultados dos mais diversos: pessoas casadas são mais felizes, dinheiro não traz felicidade e ainda que as mulheres têm ficado mais infelizes nos últimos anos. Além, é claro, de pesquisadores que discordam dessas mesmas coisas.

Há discussões técnicas bem interessantes, mas penso que o que chama a atenção dessas pesquisas é o fato delas tocarem em coisas muito próximas, nosso desejo de felicidade e também os preconceitos de nossa época. 

Um olhar atento sobre boa parte das reportagens sobre o tema, nos levará a perceber que em grande medida a pergunta de fundo é verificar se comportamentos com profundas raízes religiosas, como a felicidade com o sacrifício pessoal no cuidado com os filhos, não são apenas auto ilusões. 

Ilusões, como aprendemos com os professores de cursinho, que nos teriam sido colocadas em algum lugar do passado para garantir a coesão social ou servir à classe dominante da vez.

Entretanto, geralmente as pesquisas se baseiam em grupos muito limitados e desconsideram, em parte por conta do método, outros momentos da história da humanidade. E assumem que somente o modelo de sociedade secularizada europeu e norte americano é válido do ponto de vista de análise científica, pois somente estas seriam sociedade livres.

Bem, esse tipo de análise é um imenso preconceito iluminista, como se somente sociedades emancipadas da religião e dos valores tradicionais pudessem ser livres. E como se a Europa Ocidental e os EUA fossem verdadeiramente livres.

Esses estudos concluem apenas que esta limitada sociedade que analisam está mais infeliz do que parece. Mas isto diz muito pouco sobre o que o homem é. E menos ainda sobre o que pode vir a ser.

E esta forma de pensar ainda nos leva a incorrer em um erro de método. Ao buscar entender o mundo somente por médias, tomando como realidade objetiva somente o que ocorre com um número significativo de pessoas, erramos. Além de ser desumano pensar que se uma forma de viver é compartilhada por apenas poucas pessoas, logo ela é insignificante para explicar o comportamento humano.

Ainda mais quando a média é profundamente infeliz.

Entendo que cada pessoa, por ser única e irrepetível, possui um caminho particular para a felicidade. É uma descoberta, e ao mesmo tempo uma decisão, totalmente pessoal, que embora auxiliados por outras pessoas, é algo que se passa entre cada um e o próprio Deus. 

Não se trata somente de ter ou não ter filhos, fazer ou não fazer aquilo, mas de encontrar o seu caminho e o seu lugar.

Embora uma sociedade materialista e consumista talvez ache que os últimos parágrafos se pareçam com um dos castelos nas nuvens do Dawkins ou com um conto de fadas com enredo mais elaborado, entendo que o caminho para felicidade se encontra não em ter ou não ter filhos, consumir ou não consumir, fazer ou não fazer. Mas em encontrar esse caminho, inscrito em nossos corações, que nos leva à felicidade. 

Talvez devêssemos pensar assim. E abrir com uma foice o caminho fechado para a felicidade. 

Para ser feliz é preciso fazer força.



(1) http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2012/10/ter-filhos-traz-mesmo-felicidade.html . A imagem é da mesma fonte.

(2)http://books.google.com.br/books?id=zCPzDfUlNpwC&printsec=frontcover&dq=luigino+bruni+handbook+economics+happiness&ei=W38dS_ilKIq6yQTLg5HQAg#v=onepage&q&f=true

(3) Luigino Bruni é Ph.D em economia, economista das universidasdes Bocconi e East Anglia, parecerista de uma importante revista internacional, pesquisa sobre os temas economia civil e economia das felicidade, sendo um dos principais expoentes do mundo nessas áreas. É ainda um importante pensador católico contemporâneo, membro do movimento dos Focolares.

(4) http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/96/96131/tde-15052007-142028/pt-br.php




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Sobre a Tragédia de Charlie Hebdo

E outras tragédias do Ocidente

A semana passada assistiu intensos debate em todo o mundo, marchas de multidões pela liberdade de expressão, marchas menores contra a presença de estrangeiros na Europa e as análises da CNN sobre o que deu errado na vigilância contra os terroristas, como se tudo fosse apenas um problema técnico que pudesse ser evitado.

Aos poucos parece que emergiu um consenso, pelo menos dentro do grupo social de que faço parte, que penso poder ser expresso mais ou menos assim:

“Se é pela liberdade de expressão e contra atos de terrorismo de qualquer natureza, Je sui Charlie, agora, se é pelo conteúdo da revista, Je ne suis pas Charlie” . O que eu particularmente acho de bastante bom senso.

Mas o que penso que ficou faltando neste debate, e ainda falta, é realmente sairmos do impasse em que se encontra o Ocidente todo em termos de mindset e nos convencermos de que uma solução tecnocrática não nos salvará.

Alguns defendem que a solução trata de uma maior sofisticação da polícia, prevendo os casos de terrorismo, o que, convenhamos, é simplesmente impossível, embora seja razoável sempre aperfeiçoar as técnicas de segurança. Outros chegaram a cogitar alguma forma de censura, em nome da liberdade religiosa.

De um lado a liberdade, do outro a igualdade.

Se a Revolução Francesa não tivesse guilhotinado a fraternidade, talvez tivesse algo a dizer para o mundo.

O problema das soluções acima, e que de uma forma ou de outra é onde está polarizado o debate, é que enxergam somente uma relação indivíduo-estado. E não entre pessoas. Não se pensa a respeito da capacidade de se convencer (e ser convencido), da capacidade de autorregulação dos grupos sociais, ou do diálogo entre as diversas comunidades de fato que compõe qualquer sociedade.

E qualquer convite à automoderação em nome de um bem maior é considerado uma afronta à liberdade individual. Mas sem a fraternidade, de que nos vale a liberdade?

A liberdade em si é incapaz de nos tornar felizes. É um bem, por assim dizer, necessário, mas insuficiente, só vale enquanto meio para que eu possa viver da forma que me realiza plenamente enquanto pessoa.

Mas onde encontrar energia suficiente para ir ao encontro do outro, dessa comunidade que me agride? E que me agride verdadeiramente, afinal, pensar que militantes jihadistas são apenas um grupo de incompreendidos é no mínimo muita, mas muita, ingenuidade.

Acredito que a parcela da sociedade a que pertenço, a dos homens e mulheres que reencontraram, ou descobriram de fato, a fé cristã nas últimas décadas, não pode se omitir de contribuir no debate oferecendo uma resposta à altura da sua esperança. À altura do tesouro escondido que encontraram, ainda que muitos, olhando de longe, ou com má fé, pensem não passar de mais uma daquelas bijouterias antigas que depois se descobriram falsas.

Entre junho e julho de 1219, São Francisco de Assis viajou até Damieta, no Egito, onde se travava uma das cruzadas, contra os sarracenos. Depois de pregar aos cruzados, ultrapassou a linha de batalha e se deixou fazer prisioneiro. São Francisco foi levado à presença do sultão, ao qual tentou convencer da fé cristã e a quem pediu por um tratamento digno para os prisioneiros cristãos.

Pela mesma época, missionários franciscanos foram ao Marroccos pregar, sendo por fim mortos.

Francisco não conseguiu convencer o sultão. E os franciscanos morreram no Marrocos.

Mas, quando o corpo dos primeiros mártires franciscanos passou por Portugal no caminho para Assis, um jovem português, chamado Fernando, tomado de comoção, decidiu se juntar aos franciscanos. Este jovem depois passou a ser chamado Antônio, Santo Antônio, tão presente no folclore brasileiro quanto desconhecido pelo homem que é.

Esses mortos nos falam. Pois estão mais vivos do que nós. O sacrifício de Francisco não foi em vão.
O nome de Francisco, e de seus autênticos seguidores, é, há quase 800 anos, uma bandeira de paz, reconciliação e verdade. E desde o seu surgimento sustentaram os valores da sociedade em momentos dos mais difíceis.

Esses homens são pilares de uma civilização fundada no perdão, na paz e no respeito ao próximo, ainda quando este está distante. Uma civilização fundada também no amor ao belo, ao verdadeiro, na coragem e na ousadia.

É disto que precisamos. Precisamos de novos desses franciscanos. Homens e mulheres dispostos a viver até o extremo por uma verdadeira vida. E não por uma caricatura dela. 

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O Papa aos Movimentos e Novas Comunidades: Frescor do Carisma e Unidade Eclesial

Por Marcos Gregório Borges*





Recentemente o Papa Francisco, acolhendo os participantes do III Congresso Mundial dos movimentos eclesiais e novas comunidades, que aconteceu em Roma, de 22 a 24 de novembro, proferiu um discurso breve, em que apontou alguns aspectos pastorais que devem permear a caminhada daqueles que estão inseridos nestas novas realidades, às quais, segundo o santo padre, caminham para uma fase de “maturidade eclesial”: Manter o frescor do carisma original, respeitar a liberdade das pessoas e buscar a comunhão eclesial.

Com este discurso, o santo padre quis apontar questões muito concretas que estão relacionadas com os desafios atuais que as novas comunidades enfrentam em sua caminhada. Francisco lembrou que a novidade trazida por elas não consiste tanto nos métodos e formas utilizados, mas antes “na disposição de responder com renovado entusiasmo ao chamado do Senhor”, entusiasmo sem o qual sequer estas novas realidades existiriam, como demonstram a história de suas fundações. Desta forma, não se pode, segundo Francisco, cair na tentação de fiar-se em “esquemas tranquilizadores, mas estéreis”.

Neste sentido de abertura ao novo, o santo padre apontou para outro grande desafio a ser enfrentado pelos movimentos e novas comunidades: A comunhão eclesial. No entanto, o papa não se ateve apenas a chamar a atenção das novas comunidades para o sempre necessário esforço de conversão pastoral em vista da unidade com a Igreja hierárquica, integrando plenamente a vida da comunidade dentro da vida da Igreja, mas abordou outro aspecto importante que decorre da unidade: A comunhão em vista de responder as questões mais sensíveis da sociedade de nosso tempo.

Segundo Francisco, “os movimentos e comunidades são chamados a trabalhar em conjunto para ajudar a curar as feridas causadas por uma mentalidade globalizada que coloca o consumo no centro, esquecendo-se de Deus e dos valores essenciais da existência”. Talvez aqui esteja um dos grandes desafios que as comunidades novas precisam enfrentar. Como um bom pastor, Francisco não apontou soluções prontas, mas apenas o caminho que considera adequado, na certeza de que os movimentos e comunidades novas, se forem capazes de manter o vigor próprio do carisma originário, possuem criatividade para responder a este desafio de forma nova.

Neste novo tempo, chamado pelo próprio Sumo Pontífice de “tempo de maturidade eclesial”, cada movimento e nova comunidade é convidado a uma experiência de abertura à diversidade de carismas, partilhando de seus dons com os demais e acolhendo a riqueza existente em cada realidade, em um caminho de autêntica e fecunda comunhão fraterna que possibilite o surgimento de novas e verdadeiras amizades.

Assim como cada carisma específico só pode desenvolver-se a partir da comunhão de um grupo mínimo de pessoas em torno de um objetivo em comum (ou seja, não basta existir o fundador se não existirem pessoas em comunhão com ele em torno daquele objetivo), não é possível a construção de iniciativas em comum, como nos aponta o papa, se não existir antes verdadeira comunhão entre os carismas, e esta não pode ser construída a partir de meras reuniões e iniciativas estratégicas, mas sim a partir de um verdadeiro caminho de amizade, do qual nasce a confiança necessária para trabalhar com o outro em torno de um objetivo em comum.


Desta forma, neste novo tempo, peçamos ao Espírito Santo que alargue os nossos corações, e nos dê a coragem para avançarmos para águas mais profundas, nas águas profundas da diversidade dos carismas existentes, sem medo de acolhermos o novo que Deus quer nos dar a partir do dom da unidade.

* Marcos Gregório Borges é filósofo, coordenador do movimento Veritatis Mater e do grupo Coração Novo para Um Mundo Novo, composto por 5 novas comunidades e movimentos presentes na cidade de São Paulo. 

Artigo publicado originalmente na edição n.º 3034 do Jornal O São Paulo, de 14 a 20 de janeiro de 2015, página 2, seção "Opinião".

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