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A Felicidade dos Casais sem Filhos


Sobre o estudo da OPEN University que ganhou espaço na mídia recentemente

Recebi recentemente de amigos um artigo do Luiz Felipe Pondé na Folha sobre uma pesquisa da Open University do Reino Unido que aponta que casais sem filhos são mais felizes nos seus relacionamentos (1). Já havia ouvido comentários a respeito quando a CBN também abordou o assunto há algum tempo atrás (2). 

Como já tenho dois filhos, o artigo não podia me ajudar muito a tomar uma decisão melhor sobre a minha vida, rs, mas resolvi ler a pesquisa para tentar entender o ponto dos pesquisadores (3) e confesso que fiquei um pouco surpreso com o que encontrei. Realmente a pesquisa aponta que casais sem filhos são mais felizes que os casais com filhos, mas também aponta que entre todos os grupos pesquisados, o das mães é consistentemente o mais feliz. E mesmo que estejam insatisfeitas com seus companheiros.

Logo, o ponto parece não ser tanto a questão de ter ou não ter filhos, já que as mães são as mais felizes. O ponto é que o relacionamento do casal com filhos é que parece apresentar alguns desafios. E mais, a satisfação das mulheres com seus companheiros, quando estão em um relacionamento com filhos é o que realmente apresenta problemas.

Para quem tem mais interesse, e traquejo com o assunto, vale a pena checar a amostra e observar que há um viés para mulheres e pessoas sem religião que estão sobrerrepresentadas na pesquisa, bem acima da média para o Reino Unido(4). Além disso, a pesquisa se baseia em perguntas com respostas espontâneas pela internet, o que pode, inclusive ter gerado este viés de seleção, embora os autores apresentem uma considerável bibliografia para defender o uso do método. 

Mas independentemente de gerar alguma dúvida sobre se podemos fazer inferências sobre o Reino Unido  e mais ainda sobre o mundo inteiro, a pesquisa oferece alguns insights muito interessantes.

A pergunta que fica no frigir dos ovos é: porque as mulheres estão infelizes com relação aos seus parceiros?

Isso me fez lembrar um problema curioso analisado em Economia da Felicidade, uma área relativamente nova de pesquisa que tenta encontrar determinantes de felicidade a partir de pesquisas quantitativas (5). Existe entre os pesquisadores de Economia da Felicidade o chamado “paradoxo da infelicidade feminina”. Basicamente o paradoxo consiste no seguinte: apesar do aumento da renda real praticamente no mundo todo e de todas as comodidades da vida moderna, as mulheres de hoje estão menos felizes que as dos anos 60. E os homens, ao contrário, mais felizes.

O problema para esses pesquisadores não parece ser o casamento, já que uma amiga que realizou sua dissertação sobre o tema encontrou que o casamento é um fator de acréscimo de felicidade no Brasil, corroborando uma série de estudos internacionais que vão na mesma direção, apesar da pesquisa ter sido feita para dados mais antigos (6). 

Também não são as horas trabalhadas, já que o número total de horas trabalhadas diminuiu para ambos os sexos, mesmo levando-se em consideração a “jornada dupla” que a maioria das mulheres com filhos acaba fazendo.

Qual será o ponto então? 

A revista Veja publicou nas últimas semanas uma intrigante entrevista com a feminista Camille Paglia em que ela defende a tese de que boa parte da infelicidade das mulheres se deve ao fato dos homens não mais se comportarem como elas gostariam que se comportassem, isto é, como se comportavam antes do feminismo ter alcançado a grande mídia. 

Eu não posso dizer que concordo. O que concordo é que, de fato, hoje os homens realmente não sabem como se comportar. Um comercial recente de dia dos pais dizia para não nos esquecermos do pai sempre presente, e logo depois aparecia um pai carregando as coisas da mulher e do filho na saída da maternidade. 

Convenhamos, é um trabalho bem secundário.

Entendo que a questão de reencontrar (ou encontrar) o papel dos homens nas famílias e na sociedade pode ser parte da solução deste paradoxo. E outro aspecto importante me parece ser o das relações terem se degenerado rapidamente em relações de consumo.

O alto índice de divórcios, e a sempre presente possibilidade de saída do relacionamento, a opt out option, parece fazer com que homens e mulheres exijam cada vez mais coisas de seus parceiros, afinal de contas, existe uma concorrência aberta, um mercado livre. E assim, passam a discutir entre si como empresas que discutem um contrato, com uma lista de direitos e deveres, cada vez maior e ao longo do tempo cada vez mais infringida. 

Mas referir-se a este reflexo do consumismo no casamento chamando-o de mercado livre também não é bem verdade, pois a concorrência é desleal. É mais fácil para o homem deixar mulher e filhos do que é para mulher deixar o homem (e aqui é proposital a ausência dos filhos).

A capacidade de autodoação, sacrifício, e a certeza de que esta é uma forma realização pessoal, capaz de gerar uma felicidade duradoura e serena parece ter sido riscada do manual de educação dos meninos.  E aqui arrisco um palpite sobre a infelicidade feminina com relação aos homens que acredito ser interessante ser melhor investigado.

Talvez um passo importante passo a ser dado pela sociedade contemporânea seja reexaminar os comportamentos tidos como tipicamente masculinos décadas atrás procurando entender o que neles possivelmente conferia uma maior estabilidade e abnegação na relação dentro dos casais por parte dos homens. Olhar sem o preconceito contrário construído nas últimas décadas, mas com um olhar purificado pela emancipação feminina e pela emergência de uma sociedade mais tolerante.




(3) Link para o material da Open University


(5) http://books.google.com.br/books/about/Handbook_on_the_Economics_of_Happiness.html?id=zCPzDfUlNpwC&redir_esc=y

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