Ainda vivendo o tempo
do Natal em que celebramos a Sagrada Família e a festa de “Maria, Mãe de Deus”
pode ser interessante nos perguntar: hoje, para que serve um homem dentro de
casa?
O movimento feminista trouxe
grandes mudanças para a vida das mulheres nos últimos 40, 50 anos. Mas não só
para a vida das mulheres, a vida dos homens, principalmente no seio das famílias,
também se alterou sensivelmente. Se olharmos os mais diversos indicadores socioeconômicos,
veremos que nas últimas quatro décadas o padrão de vida das mulheres melhorou
consideravelmente (1). Entretanto, se olharmos, os indicadores de felicidade
das mulheres, veremos que elas se encontram mais infelizes do que no passado.
Este paradoxo é conhecido como o “paradoxo do declínio da felicidade feminina”
(2). Este fenômeno amplamente estudado em economia é desconhecido do grande
público e contrasta com a opinião geral apresentada pela mídia.
E acredito que aqui é onde o
impacto gerado pela mudança de comportamentos das mulheres se entrelaça com as
mudanças ocorridas entre os homens.
Podemos conduzir essa discussão
levados apenas por uma certa curiosidade sociológica, ou ainda imaginando
diferentes cenários para os papeis que homens e mulheres devem desempenhar na
família de difícil experimentação. Mas não penso nessa direção. Tento responder
à pergunta que me faço muitas vezes: como melhor servir à minha esposa e minha filha?
O que cabe a mim, como homem, prover para as pessoas que amo?
É comum as propagandas dos dias
das mães ou do Dia Internacional da Mulher enaltecerem o fato das mulheres
fazerem tudo o que fazem os homens (e obviamente não há nenhum mal nisso). A
tal ponto que hoje me pergunto se o homem não seria apenas uma mulher que não
engravida,rs. Pensando nessa direção, inevitavelmente chegaríamos à conclusão
de que os homens seriam apenas supérfluos e que num futuro distante de ficção
científica poderiam ser simplesmente suprimidos, rs. E aí a humanidade estaria
liberta de toda forma do machismo e de toda opressão milenar dos homens contra
as mulheres, rs.
É bastante absurdo pensar assim.
Mas será que conseguimos achar realmente um argumento convincente para não
pensar assim? Pois para que possamos contra-argumentar, necessitamos então
dizer em que o homem é necessário e que ele tem uma missão particular dentro da
sociedade, mas é curioso perceber como somente por levantar estas questões,
muitos de nós, homens por volta dos seus 30 anos, já nos sentimos machistas.
Uma das hipóteses levantadas
pelos pesquisadores sobre o declínio da felicidade feminina nas últimas décadas
é a sobrecarga emocional que as mulheres têm sofrido depois de sua emancipação
econômica. No modelo familiar tradicional, que perdurou até os anos 60, os
homens eram responsáveis por prover financeiramente a casa e dar-lhe segurança
ao passo que cabia às mulheres o governo das relações familiares e a economia
doméstica.
No novo modelo que vivemos, as
mulheres acumularam às suas responsabilidades a corresponsabilidade pelo
provimento da casa. Entretanto esta sobrecarga não se explica pelo acúmulo de
jornada dupla – o que também é um fato seja nos países em desenvolvimento, seja
na Suécia ou na Noruega – segundo os pesquisadores, pois se olharmos o total
das horas trabalhadas, veremos que as mulheres trabalham consideravelmente
menos que seus pares da década de 60. É uma sobrecarga emocional. Curiosamente,
a felicidade dos homens, lembrando que neste texto falamos de felicidade como
um índice de satisfação sem grandes considerações teóricas, tem aumentado.
Me pergunto se parte desta
crescente insatisfação feminina não se deve ao fato de nós, homens, não
estarmos fazendo nossa parte.
Mas qual é a nossa parte? Se
olharmos para as décadas anteriores, muitas vezes encontraremos apenas o
arquétipo do homem caçador, provedor de segurança, que fazia muito sentido e
era extremamente útil numa sociedade rural (é importante notar que foi somente
nesta década que a população urbana alcançou a população rural), mas não faz
muito sentido na nossa vida metropolitana de hoje. Já o modelo vigente, em que
o homem é muitas vezes apenas um apêndice romântico da mulher, que carrega as
compras e diz palavras doces, mas que deixa para a mulher todas as decisões
difíceis da vida, também não me parece um ideal que corresponda à nossa
natureza.
Acho que para tentar lançar luzes
sobre essa questão pode ser muito válido olharmos para a figura de São José.
O primeiro ponto que me chama a
atenção na figura do Santíssimo José é que nele vemos que autoridade não se
confunde com protagonismo. É a Virgem Maria, a Imaculada, a Mãe do Salvador, que
estará aos pés da Cruz no momento mais dramático da história da Salvação e será
Ela que irá conferir unidade e segurança à Igreja nascente antes do
Pentecostes. Não temos como dizer que Ela não seja
protagonista na história de Nazaré, não há como dizer que Ela ocupava na
família uma mera posição de auxiliar, de assistente, de subjugada.
Entretanto, mesmo sendo clara a
missão particular da Virgem Maria, quis Deus que fosse José responsável por
ela. E é nisso que se resume a autoridade de José, responsabilidade por Maria,
protegê-la e servi-la, para que ela cumprisse sua missão, que sendo os esposos
um só coração, é missão de toda família.
José soube decidir sob condições
difíceis, confusas. Muitas vezes nos vemos em situações em que não
compreendemos a vontade de Deus, em que aquilo que Deus nos apresenta parece
contraditório. Mas que contradição pode ser maior do que a que viveu José ao
receber Maria grávida depois da visita à Isabel? Como elaborar interiormente
este fato? A contradição, a confusão e a angústia porque passou José devem ter
sido terríveis. Como a criatura mais bela de Deus, a mais bela e encantadora
das mulheres que ele havia conhecido aparece assim, de repente grávida? E as
alegrias que ele antevia no casamento, o respeito, a admiração por Maria? E o
respeito por Deus, que afinal de contas tinha colocado Maria em seu caminho?
Que contradição terrível!
Me chama a atenção o fato de José
não ter fugido de tomar uma decisão. E não ter abandonado a Deus. Diante de duas
coisas aparentemente contraditórias: a santidade evidente de Maria e o fato
dela estar grávida, ele escolheu não denunciá-la, para não punir aquela que de
uma forma que ele não compreendia, parecia ser inocente. Por outro lado, não
aceitou ficar com Maria, pois não seria justo nem segundo a Lei e nem segundo os Profetas
conviver com uma mulher sob uma incerteza tão grande e a possibilidade de uma
traição tão gritante.
Quando o anjo aparece em sonho a
José dizendo “Não temas receber Maria...” é importante meditarmos sobre o que
José não deveria temer. José não deveria temer ofender a Deus, era esta sua
preocupação. Ele temia começar uma casa sob pecado. E José foi tão fiel ao
mandamento de amar a Deus sobre todas as coisas, que teve dúvida em conviver
com a mulher mais encantadora que já existiu por medo de ofender a Deus...e quantos
de nós aceitamos viver situações de evidente pecado por simplesmente não
controlarmos nossos instintos!
José nos lembra da dignidade de
cada homem, imagem e semelhança de Deus. Uma dignidade elevada, mas que não se
faz orgulhosa, nem arrogante. Isso também se percebe quando precisou levar a
família de Nazaré para o Egito. Aqui duas coisas me chamam a atenção: primeiro
o fato dele, descendente da nobreza de Israel se submeter a levar seu filho
para a terra em que seus antepassados foram escravos. Que contradição! Se seu
filho vinha para ser um grande rei e restaurar o trono de Davi, como entender
então sua situação de humilde carpinteiro fugindo para o Egito, a terra dos
escravos! Mais uma vez contradição, mais uma vez decisão, mais uma vez
destemor.
Outro ponto é o fato de o anjo
ter ajudado a José. Mesmo sendo ele o responsável pela Sagrada Família, mesmo
sendo um homem de grande valor, era limitado. Não podia prever todas as
situações de perigo. Limite este ao qual ele teve que humildemente ceder quando
deixou nesta terra seu filho adolescente e a Mãe de Deus. Morte contraditória
esta, diz a tradição da Igreja, teve na terra o que todos almejamos encontrar
no Céu: os braços do Senhor e da Virgem Maria. Como seria o futuro do menino,
agora homem, Jesus? Não era ele o responsável por este que agora teria que
deixar? José já tinha cumprido sua parte, ele não era onipotente, era preciso
que este menino que já se tornou homem cumprisse a sua missão.
Onde acabam as forças humanas, José
foi auxiliado por Deus. Limitado como todos nós, não poderia prever e nem
suprir tudo. E um anjo lhe veio avisar do perigo que corriam quando perseguidos
por Herodes. Isto serve de grande consolação para mim, que sou pai e limitado. E
percebi isto de forma bastante concreta em uma situação que vivi recentemente (3).
É muito belo observar como a
dignidade de José caminha junto com a humildade e como sua autoridade é
silenciosa e nunca prepotente, mas sempre a serviço. Pois a sua esposa era a
mais santa das mulheres e seu filho simplesmente o próprio Deus. Nesta nossa
era de conflito de gerações em que alguns pais ficam desesperados sobre a
possibilidade de alguns filhos saberem mais do que eles em alguns assuntos (e
apenas alguns) é uma grande lição esta humildade de José. Autoridade para ele
sempre foi serviço, humildade e silêncio. Autoridade não é mandar e nem saber
mais, é servir.
Mas como servir? O que me é mais
próprio enquanto homem servir? Não acredito que haja áreas de atuação
exclusivamente dos homens ou das mulheres, mas penso que dentro da família
podemos perceber traços preponderantes. E não digo que esses traços devam ser pensados em oposição um ao outro, mas apenas como mais conforme à natureza de cada um, suas capacidades físicas e psíquicas próprias, e que divergem entre os gêneros. Isto a sensibilidade de todos pode atestar.
Maria foi a grande protagonista da família de Nazaré, mas José não fugiu da sua responsabilidade. Ele soube ser segurança, estabilidade e força quando foi necessário e tomou decisões difíceis. José não se debulhou em lágrimas diante dos perigos que surgiam e também não teve medo de assumir a maior responsabilidade que já coube a um pai: proteger Jesus e Maria, os mais preciosos tesouros que podem existir. Ambos frágeis e deixados em suas mãos.
Maria foi a grande protagonista da família de Nazaré, mas José não fugiu da sua responsabilidade. Ele soube ser segurança, estabilidade e força quando foi necessário e tomou decisões difíceis. José não se debulhou em lágrimas diante dos perigos que surgiam e também não teve medo de assumir a maior responsabilidade que já coube a um pai: proteger Jesus e Maria, os mais preciosos tesouros que podem existir. Ambos frágeis e deixados em suas mãos.
Cada um de nós carrega tesouros
frágeis que Nosso Senhor colocou em nossas mãos(4). Eu não quero fugir de minha
responsabilidade. Que Deus nos dê a graça de quando aparecerem situações
difíceis e contraditórias, em que as luzes da fé e da razão falharem, saibamos
decidir com firmeza e confiança, sem covardia, sem entregar aos outros decisões
que nos cabem, sendo um porto seguro, uma referência de estabilidade e de justiça,
como foi o Santíssimo José para Jesus e Maria.
(1) Uma entre as diversas pesquisas que corroboram a afirmação acima pode ser
vista em: http://www.nber.org/papers/w14969.pdf?new_window=1
(2)
A primeira vez que tomei conhecimento do tema foi por meio do Handbook on
the Economics of Happiness de Luigino Bruni, professor da Università di
Milano-Bicocca da University de East Anglia, parecerista de algumas das
principais revistas internacionais de economia, autor de temas ligados ao
Movimento Economia da Comunhão do Movimento dos Focolares, uma das maiores
autoridades mundiais em Economia da Felicidade.
O livro pode ser baixado no Google Books. Também podem ser encontrados
diversos artigos sobre o tema, como o mencionado na nota (1) da NBER, uma das principais revistas de
economia do mundo: http://www.nber.org/papers/w14969.pdf?new_window=1
(3)
Por
volta do dia 15 de setembro de 2011 viajei para o interior para a casa dos meus
pais. Chegando na cidade, o carro começou a fazer um barulho estranho, cheguei
em casa e assim que coloquei o carro na garagem ele literalmente travou, não ia
nem para frente nem para trás. Depois vimos que os rolamentos de uma das rodas traseiras simplesmente se fundiram. Logo percebemos uma
pequena graça, pois como pode um carro travar depois de 400km de viagem somente
quando estou dentro da garagem? Qual a probabilidade disso? E tendo depois
percebido o que aconteceu, poderíamos ter sofrido um acidente grave, talvez até
morrido, se isso ocorresse 15 ou 20 min antes. Imediatamente atribuímos essa
graça a São Miguel, a quem tínhamos rezado durante essa Quaresma de São Miguel.
Se cumpriu exatamente o que diz um dos textos da Quaresma: "me dou e me
ofereço e ponho-me a mim próprio, a minha família e tudo o que me pertence,
debaixo da vossa poderosíssima proteção...dignai-vos desde então velar sobre os
nossos interesses espirituais e temporais". São Miguel, rogai por nós!
(4) Quando falo frágeis, não quero dizer que as mulheres seriam mais frágeis do que os homens, até porque foi Maria quem esteve aos pés da Cruz e foi sua alma a trespassada por uma espada de dor, alguns santos chegam até a pensar que Deus permitiu que José morresse antes por não porque sabia que ele não suportaria ver Jesus na Cruz. Digo frágeis no sentido de morrerem, estarem sujeitas ao acidente e à morte e pensar que Maria e Jesus estivessem sobre minha responsabilidade nessas condições me parece algo terrível, e que seria preciso ter muita coragem e confiança em Deus para suportar.
(4) Quando falo frágeis, não quero dizer que as mulheres seriam mais frágeis do que os homens, até porque foi Maria quem esteve aos pés da Cruz e foi sua alma a trespassada por uma espada de dor, alguns santos chegam até a pensar que Deus permitiu que José morresse antes por não porque sabia que ele não suportaria ver Jesus na Cruz. Digo frágeis no sentido de morrerem, estarem sujeitas ao acidente e à morte e pensar que Maria e Jesus estivessem sobre minha responsabilidade nessas condições me parece algo terrível, e que seria preciso ter muita coragem e confiança em Deus para suportar.