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Porque acredito em Nossa Senhora

Ou sobre a devoção cristã à Virgem Maria, a Santa Mãe de Deus




Colocado assim, o título pode parecer para muita gente como algo do passado, uma coisa de velhinhas. É interessante como um tema tão crucial para entendermos o mundo contemporâneo ficou assim relegado para segundo plano. Inclusive para muitos católicos. Não se pode entender a sociedade sem se compreender a influência que a Igreja Católica desde a Antiguidade exerce sobre ela e não se pode entender conceitos como virgindade e maternidade sem compreender o papel dessa devoção na fé católica. 

Santa Edith Stein dizia que “buscar a verdade é andar sempre à beira do abismo”. E é uma frase que eu acho particularmente bem acertada. Desde que me converti ao catolicismo há cerca de 15 anos eu não sei quantas vezes tive esta sensação. Foram inúmeras as vezes que me senti à beira do abismo. 

A cada aspecto novo que descobria da fé, um questionamento, a cada passo, uma nova possibilidade de estar errado. Mas se o que buscamos é a verdade, não temos nada a perder. 

Já há excelentes trabalhos a respeito deste tema na internet[i] e não pretendo aqui falar de aspectos teológicos ou uma realizar uma apologética tradicional. Escrevo porque acredito que estamos todos no mesmo barco, na mesma busca, queremos “encontrar a face do Senhor” e às vezes as vemos refletidas aqui e acolá, em pedaços, às vezes um reflexo, tão rápido e logo perdemos de vista. Só existe um Deus, e um único mediador, Jesus Cristo, ao qual tantos invocam de tantas maneiras. E isso nos faz uma só família, na mesma busca, mais ou menos conscientes, mais ou menos fieis, mas unidos por aquele que invocamos. 

Gostaria apenas de escrever “como um coração que fala a outro coração”, conforme a belíssima expressão do Beato John Newman e consciente de que a maioria das pessoas não se converte a esta ou aquela religião por causa de um debate teológico, ou mesmo pelo conhecimento de uma doutrina. Isto também acontece, é verdade, mas é raro. Para a maioria das pessoas, um amigo, a ajuda em um momento difícil, o mal estar com relação à crítica pública feita a um grupo religioso, a família, para a maioria das pessoas essas coisas acabam sendo muitas vezes a experiência fundante de uma prática religiosa.

No retiro em que me converti, lembro que antes da primeira palestra foi feita a entrada da imagem da Virgem Maria como parte da oração inicial do encontro. O salão em que estávamos foi tomado por um clima de muita emoção e os participantes aplaudiram a entrada da imagem. Eu me lembro de também ter me emocionado, mas rapidamente corrigi este sentimento em minha mente dizendo para mim mesmo: “este é um comportamento emotivo e idólatra e estão aproveitando da fragilidade psicológica dos adolescentes”. Enquanto todos aplaudiam, eu deliberadamente cruzei os braços. 

Esta foi a primeira vez em que me coloquei o problema em questão. Eu sou filho de uma época em que muitas pessoas abandonam a fé e, no final das contas meu ceticismo não é tão diferente do deles. Com mais ou menos fervor, com maior ou menor fidelidade a esta minha incredulidade, eu repeti gestos semelhantes ao longo de alguns anos. Embora tenha me convertido na Igreja Católica, alguns aspectos desta fé não eram pontos passivos para mim. 

Por incrível que possa parecer, para mim era mais fácil acreditar no papa do que na Virgem Maria. Como encontrei o Senhor[ii] na Igreja Católica, para mim era evidente que Ele estava ali presente. E como a fé cristã não pode ser explicada sem a Igreja Católica, para mim também era claro que a Igreja era mãe, pois ela gerou a fé que recebi e que, portanto, éramos todos irmãos e era natural que alguém fosse o símbolo visível dessa unidade. Em uma família, estar juntos é mais importante do que concordar. E neste caso concreto, o estar juntos era a obediência àquele que por direito exercia este papel. 

Entretanto, imaginava que ao longo dos séculos este patrimônio de fé poderia ter se corrompido, agregando coisas que lhe eram estranhas, sem, contudo, perder o seu essencial. E imaginava que de algumas práticas a Igreja poderiam se purificar ao longo do tempo, afinal de contas, Deus não a havia abandonado e imaginava que estar junto e trabalhando internamente por uma purificação era a forma mais coerente de corresponder ao que eu havia experimentado. 

E com relação à devoção à Virgem Maria eu me perguntava sobre qual a sua necessidade, se afinal Deus já havia concedido a salvação e todas as graças por meu de seu Filho? E ainda, se o uso de imagens era fonte de tão grande oposição por parte de outros cristãos, não seria mais razoável abandoná-las aos poucos, já que isso poderia contribuir para uma maior unidade entre todos? Ainda mais tendo em vista que o uso de imagens não é algo essencial à fé cristã?

Basicamente estas eram minhas objeções e com base nelas em diversos momentos não osculei as imagens e sequer obtive alguma para minha oração pessoal.

Este cenário começou a mudar quando conheci uma amiga, muito convicta na prática dessa devoção. E o que mais me chamava a atenção nela era sua inocência e sua pureza, duas coisas extremamente difíceis para mim. 

Certo dia, conversando com essa amiga sobre o dogma mariano da Assunção chegamos a um impasse. Percebi que em algum momento eu a ofendi. Afinal de contas, eu estava tratando como uma hipótese teórica o que para ela era a Mãe dela. E quando se trata a mãe de alguém assim, bem, é difícil não ofender. E então me dei conta de que a relação dela com a Virgem Maria não era a de uma hipótese de fé, como era para mim, mas de verdadeira maternidade e verdadeira filiação.

E levando em consideração que esta sua devoção se destacava, mesmo entre outros católicos, eu comecei a pensar se a pureza e a inocência que ela tinha, e que por mais que eu rezasse e lutasse não obtinha, não eram frutos dessa devoção. Afinal, eram as duas coisas que apareciam juntas e a destacavam: a devoção mariana e a pureza e inocência de seu comportamento.

E acabei sendo impactado por algo tão simples e tão incisivo, encontrar alguém que crê. 

E enquanto eu considerava essas coisas, me ocorreu o pensamento de que meu erro até ali era considerar Deus como se Ele só fizesse coisas úteis, necessárias, como se fosse uma grande engrenagem, e não uma pessoa.

Mas Deus é uma pessoa, que constrói uma história concreta com a humanidade, e isto é o que mais desafia o pensamento contemporâneo. Não subiu aos céus cerca de 2000 anos atrás e nos deixou um código de leis para seguirmos, mas continua entre nós, escrevendo conosco a história. 

E nesta história construída conosco e construída com cada pessoa em particular, Deus chama cada um a uma participação única, e Ele pode conceder o que Ele quiser a quem Ele bem desejar, do contrário não seria Deus, seria uma força anônima na fronteira do universo, uma engrenagem. 

E refletindo sobre essas coisas me lembrei de que ao profeta Elias foi concedido o privilégio de não morrer. E que, olhando de fora, poderia parecer que Deus violou uma de suas regras, mas olhando de dentro, vemos que Elias tem um relacionamento particular com a Divindade, difícil de ser alcançado por outra pessoa. 

E como pensar então na Mãe do Senhor? Ela que teve o próprio Deus nos braços, e mais ainda, no ventre, que o ensinou a comer, a andar, que ouviu suas primeiras palavras. Como pensar que um Deus que é amor e misericórdia teria tratado sua Mãe com tamanha impessoalidade e como Ela, que teve nos braços um menino que valia mais do que o universo inteiro, que teve seu corpo imerso no mistério do Espírito Santo, poderia ser simplesmente uma entre uma multidão de mulheres ou ainda simplesmente diante de Deus na eternidade não desempenhar um papel singular na salvação de todos os homens?

E esta nova forma de viver a fé, me abriu um universo muito mais amplo. Com relação às imagens entendi que o ponto em questão é mais profundo. Se Deus se fez homem e morreu pela redenção de toda a humanidade, morreu e ressuscitou para redimir todos os homens e o homem todo. E o homem todo inclui também as suas artes e as suas esculturas. Do contrário, Deus teria condenado para sempre um dom que Ele mesmo infundiu no homem e o homem redimido seria um homem contido, restrito, que não poderia realizar parte de sua própria natureza. Mas Deus redimiu todas as coisas, sendo assim, não se trata de não fazer, ou de obedecer a um conjunto de regras mais ou menos razoáveis, mas de encontrar o bem em cada coisa e fazê-lo. E isto é uma liberdade muito maior, e também extremamente desafiadora. 

A estes pensamentos depois se seguiram muitos outros e ao conhecimento de todo um corpo de doutrinas propriamente ditas, mas também se seguiram muitas experiências e uma delas em particular gostaria de compartilhar. 

Em 2008, quando participava da Missa durante a Novena de Nossa Senhora Aparecida na cidade em que cresci, algo muito interessante aconteceu. Lembro que antes de começar a Missa, pedi a intercessão da Virgem Maria e de Padre Pio para que pudesse participar bem da Eucaristia. Na procissão de entrada o padre celebrante carregava em seus braços a imagem de Nossa Senhora Aparecida. 

No momento em que o padre e os ministros começaram a sua a entrada na Igreja para começar a celebração, eu senti que uma “força” e sentia que esta “força” saia da imagem. Era uma força muito grande, que eu não conseguia enfrentar, ou manter meu equilíbrio diante dela, ou sequer ficar em pé diante dela. De tal maneira que me pus de joelhos e comecei a chorar enquanto a imagem passava perto do local em que eu estava sentado. 

O que me chamou a atenção é que conforme a imagem passava esta força aumentava ou diminuía, de tal maneira que eu tinha a nítida impressão de que esta saía da imagem. 

No final da celebração, quando o padre e os ministros fizeram a procissão de saída o mesmo fato ocorreu novamente. E eu fiquei ainda algum tempo dentro da Igreja, refletindo e me recompondo. 

Alguns anos depois, creio que 3 ou 4, eu senti novamente esta mesma “força” mas numa proporção bem menor, como que “saindo” de uma religiosa, de um movimento particularmente devoto da Virgem da Maria. Movimento este do qual eu e minha família atualmente participamos. 

A partir dessas experiências se formou em mim a convicção de que a devoção à Virgem Maria é um patrimônio que Deus concedeu aos cristãos, e à humanidade inteira, em sua liberalidade e liberdade. Um patrimônio que não nos deve ofender ou preocupar, mas enriquecer.


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