A reportagem do Fantástico sobre os Arautos me fez lembrar uma notícia que li há algum tempo sobre um grupo fundamentalista hindu que tinha atacado um mosteiro feminino porque eles foram ensinados que as religiosas eram escravas dos padres (1). Bem, mas isso, de acreditar nessas coisas, só acontece em países pobres (como se o Brasil fosse muito rico) e muito atrasados, certo? Bem, não é bem assim...
Na verdade, a Igreja Católica hoje é uma grande desconhecida no país em que o primeiro ato público da sua história foi uma Missa, desconhecida até mesmo para os próprios católicos. Tanto é verdade que o fato do superior geral da maior ordem religiosa masculina do mundo dizer que o demônio não existe ou que muito provavelmente foi feita uma cerimônia com um ídolo pagão nos jardins do Vaticano não assusta ninguém...mas um exorcismo...
Mas alguém poderia perguntar: já não vimos esse filme antes? Um grupo conservador, com aspectos militares e que depois...revela uma série de problemas morais. E muitas pessoas, muito boas, sofrem até hoje as consequências dessas tragédias. Infelizmente a quantidade de escândalos que temos na Igreja nos permite fazer essa pergunta.
Mas o demônio está nos detalhes....
Além do caso dos Arautos, e dos casos acima, já vimos também "outros casos antes". Chamaram a atenção no mundo católico recentemente o caso do fundador dos Franciscanos da Imaculada, Pe Stefano Maria Manelli e do Cardeal Pell. No primeiro caso o padre foi acusado de abuso por uma ex-religiosa do instituto, foi julgado e depois inocentado, mas sua ordem sofre ainda uma forte intervenção. Já no caso do Cardeal Pell, ele foi acusado por dois ex-coroinhas de abuso. No caso do Cardeal, que agora está preso, para que o crime pudesse acontecer, ele teria que deixar a procissão final, como bispo, ir à sacristia, encontrar dois coroinhas tomando vinho canônico e atacá-los ainda paramentado. Qualquer católico sabe que isso é simplesmente impossível. Mas o Cardeal foi levado a júri popular e condenado.
O que esses casos tem em comum? O fato de não terem testemunhas além das acusadoras que, no caso dos Arautos e dos Franciscanos afirmam que o superior agiu em acordo com a sua superiora imediata. E no caso dos Arautos, são estrangeiras, o que torna mais difícil serem punidas pela justiça brasileira...além de que os supostos crimes praticados são, no mínimo, improváveis...
Os Franciscanos também eram conservadores e estavam em franca expansão. Cardeal Pell fez uma forte campanha contra o lobby gay na Austrália na votação que o país teve sobre as uniões civis e era o responsável pela reforma financeira do Vaticano...no caso dele, um dos acusadores disse à mãe no leito de morte que era mentira e ainda assim, levado a júri popular, o cardeal foi condenado. Bem, eu o considero inocente.
Voltando ao caso dos Arautos, o timing, das ações também é bastante interessante. Segundo a Veja, ela possui o depoimento de um ex-Arauto que teria dado origem à visita canônica de 2017. Quando os Arautos perguntaram a que se devia a visita, não foram informados que havia uma denúncia. E nem souberam depois. Terminada a visita, com milhares de Arautos entrevistados, eu inclusive, não se encontrou nada.
Mas um pouco depois dos incêndios na Amazônia e um pouco antes do Sínodo, um grupo de acusadores reabre um processo fechado contra um dos colégios dos Arautos e faz boletins de ocorrência (não há processo ainda) quase ao mesmo tempo em que vão à imprensa...começando por um site de propriedade de Luiz Estevão, ex-político e atual presidiário.
Uma pergunta interessante a se fazer é, se há um suposto crime (que é calúnia, mas isso é outra história), o colégio não deveria ser protegido? Por que fechar o colégio? O que isso tem a ver com as acusações?
Ocorre que o colégio encaixa em uma narrativa...
Chesterton, católico inglês, do final do século XIX e começo do XX, comenta em "Ortodoxia" que um dos mitos do pensamento contemporâneo é que os homens viviam em um passado pré-histórico de forma mais ou menos livre, satisfazendo seus instintos e que, em algum momento, um grupo passou a dominar os demais impondo o terror e o medo, utilizando a ideia de uma vida e castigos pós-morte. E que assim teriam surgido os primeiros sacerdotes.
A este mito hoje se soma outro, a ideia de que a relação entre sacerdotes e leigos seria uma relação de poder (clericalismo) e que abusos aconteceriam não por falta de virtude, mas por uma relação de dominação. Uma vez que todos carregaríamos os mesmos incontroláveis instintos primitivos, a forma de tornar a vida mais civilizada e evitar situações como essas não seria ensinar a virtude (e a rezar), mas dividir o poder.
E jovens castos, puros e alegres não existem. Só podem ser assim robotizados, controlados e dominados, porque afinal de contas, ainda mais os jovens, tem instintos incontroláveis.
Certo?
Errado.
Basta visitar um colégio dos Arautos. O choque com essa narrativa que nós de uma maneira ou outra compartilhamos, porque fomos criados nela, é tão grande que eu mesmo conheço não poucos casos de pessoas que quando descobriram que se pode viver uma vida pura, ficaram maravilhadas (1).
E a quem interessa atacar os Arautos...?
Aqueles que atacam os Arautos, não me refiro às acusadoras, mas aqueles que estão por trás disso tudo se beneficiando de um grupo pequeno de desafetos, não se importam com religião. Esses só se importam com dinheiro e poder. E por alguma razão eles acreditam que os Arautos podem atrapalhar isso.
Se eles pensam isso dos Arautos, os religiosos, estão enganados. Sua missão é totalmente religiosa.
Agora, se eles pensam que os leigos que participam do movimento e os amigos dos Arautos, que são algumas milhares de pessoas somente no Brasil, vão querer se tornar uma força político-social para não deixar que o país caia nas mãos dessa quadrilha imunda, pensaram bem.
Pois é exatamente isso que vamos fazer.
(1) Link a publicar
(2) Além de que para mostrar que essa narrativa apresentada por Chesterton é absurda, basta verificar que se na história cristã houve sangue, antes dela, era só sangue. E que quanto mais os arqueólogos cavam, mais cemitérios e rituais encontram. No final das contas parece que o homem sempre foi religioso.