Família


Um mal necessário? Casar e ter filhos para quê?!

Pensar sobre a família é uma discussão bastante pertinente para a véspera do Natal. Ainda mais nos dias de hoje. Certa vez um padre me disse que num levantamento informal na sua paróquia observou que apenas 50% dos casais que viviam juntos se casavam na Igreja. Hoje 40% dos casamentos com menos de 10 anos terminam em divórcio, taxa que tem aumentado a cada ano. Nos últimos dois anos esta taxa sofreu um acréscimo de 36% (1).

Se por um lado é triste observar a falência do casamento como instituição social, por outro lado esta crise acaba colocando em evidência uma dimensão que antes era pouco percebida do casamento, sua dimensão religiosa. Hoje parece mais claro que ou o casamento é alicerçado na fé ou sofre tantos ataques que não consegue permanecer em pé.

Toda crise também carrega em si uma purificação. Afinal, o casamento como instituição carregou uma série de práticas e valores nem sempre cristãos ao longo dos séculos e se o casamento natural como é conhecido de todos os povos pode entrar em extinção no Ocidente, o casamento cristão por sua vez sobreviverá. E sobreviverá mais cristão ainda, purificado daquilo que na verdade nunca lhe fez parte, como certas práticas machistas, ou o autoritarismo dos pais.

É um mistério muito grande pensarmos em Jesus no seio da família de Nazaré. Pois o Senhor viveu todos os sofrimentos, todos, ou melhor, todos com a exceção de um: o de não ser amado pelos pais. Jesus conheceu a fome, a pobreza, o exílio, a morte, a humilhação...mas não soube durante sua vida terrena o que é não ser amado pelos pais.

Será que dessa maneira Nosso Senhor nos mostra que a família não é algo externo a ser enfrentado, mas algo interno, de nossa constituição, interior e, portanto, inviolável? Será que assim Ele fala do papel fundamental de educadores dos pais, que não pode ser substituído, que é tão íntimo para os filhos que passa a ser parte deles?

Penso ainda nas mágoas e traumas que todos nós em maior ou menor grau carregamos de nossos pais. Esta dor Nosso Senhor não teve, apenas por compaixão. Penso que por isso deve olhar com profunda misericórdia sobre nós, sabendo que essas feridas são profundas, são alicerces mal feitos que comprometem todo edifício e que portanto atenuam aquilo que depois foi mal construído. Com seu Amor de Pai Nosso Senhor restitui esses alicerces.

E vamos assim descobrindo tesouros ocultos no patrimônio da Igreja, como por exemplo São João Crisóstomo que no século IV dizia para os esposos dizerem para suas esposas:

Tomei-te nos meus braços, amo-te e prefiro-te à minha própria vida. Porque a vida presente não é nada e o meu sonho mais ardente é passá-la contigo, de tal maneira que tenhamos a certeza de não ser separados naquela que nos está reservada [...]. Eu ponho o teu amor acima de tudo, e nada me seria mais penoso do que não ter os mesmos pensamentos que tu.

Este texto é parte do Catecismo da Igreja Católica e é tão belo quanto desconhecido(2).

Santa Isabel de Hungria, rainha e santa, dizia referindo-se ao seu marido:

Se eu amo de tal modo uma criatura mortal, como deveria amar ao Senhor imortal, dono da minha alma?

Ainda no tempo do Império Romano, muitas mulheres se convertiam ao cristianismo em busca de um “bom casamento”(3), já que os noivos cristãos não traiam e não abandonavam suas esposas. Lembrando que naquele tempo, ser abandonada pelo marido significava ficar sem fonte de renda, um objeto usado que ninguém mais iria querer. E é triste notar como muitos, com outras linguagens nos dias de hoje, acabam se conformando com esta mentalidade, trazendo de volta algo que o cristianismo já havia derrotado na história.

Uma história muito bonita é a de Luis Martin e Zélia Guérin que desejavam a vida religiosa, mas que por uma série de dificuldades e obstáculos não conseguiram e que por fim descobriram que sua vocação era, na verdade, o casamento. Casamento que teve muitas dores, como a perda de filhos, mas que foi muito feliz. Um dos filhos de Luis e Zélia Martin se tornou bastante conhecido: Santa Terezinha do Menino Jesus. Eles viveram no final do século XIX uma realidade que é muito importante para nossos dias: o casamento como uma via religiosa.

Não apenas como cooperação com a obra criadora de Deus por meio do nascimento e da educação dos filhos, o que já seria muito, mas como uma via de perfeição, de purificação interior, de ascese. Uma forma de ver de forma mais clara o rosto de Cristo e de torná-lo mais claro em nós.

Karl Rahner dizia que os cristãos de nosso tempo ou se tornariam místicos ou já não conseguiriam viver a fé. E penso que isso vale principalmente no âmbito familiar, é preciso saber, assim como a família de Nazaré, que não estamos somente cuidando da casa, ou de crianças, mas que em comunhão com Deus estamos salvando o mundo, por meio de pequenos sofrimentos que nos unem aos sofrimentos dEle.

Assim, todo o cuidado com os esposos e os filhos não são apenas gestos de ternura, de desapego, de dever. Essas coisas compõem, na verdade, um verdadeiro itinerário espiritual.

(3)     Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental, Thomas E. Woods Jr, graduado em Harvard e PhD pela Universidade de Columbia

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