Archive for julho 2015

Francisco, a Igreja e a mídia

Publicado originalmente em “O São Paulo”.

Quem lê na imprensa os comentários à atuação do Papa Francisco, como por ocasião da publicação da Laudato si’ ou de sua recente viagem pela América do Sul, encontra em muitos casos uma posição curiosa: “Falemos bem do Papa e mal da Igreja”. Críticos tradicionais da Igreja elogiam o Papa como se ele fosse um ponto totalmente fora da curva, como se dissessem: ESTE papa é bom, mas o resto da Igreja continua sem merecer consideração. 

É difícil falar do catolicismo, porque é falar de nossa infância, de nossos pais, de nossa história. Mesmo na sociedade brasileira, já bastante secularizada, diversos temas – como as demandas da comunidade LGBTI, a educação dos jovens ou os problemas de segurança pública – remetem, ainda que por oposição, ao Catolicismo. E a força com que parcelas da sociedade tentam se afastar do catolicismo reafirma paradoxalmente o quão fundamental ele é na formação e na visão de mundo dos brasileiros, o quanto nos influenciou e o quanto está impregnado em nós. 

Se cada um deseja ou não seguir esta fé é uma outra questão, mas interessa a toda a sociedade civil que o debate seja feito com honestidade. Pois, sejamos católicos ou não, o catolicismo é um dos fundamentos, talvez o principal, da formação do povo brasileiro. Compreender o Catolicismo de forma clara, sem reducionismos ou preconceitos, é compreender grande parte da própria gênese do nosso povo, de nossa cultura, é parte importante do conhecimento sobre nós mesmos. 

A mídia pouco fala nisso, mas um grande número de pessoas se converteu ao Catolicismo nas últimas décadas. Podem ser não católicos que se batizaram ou, mais frequentemente, batizados que descobriram sua fé. Aos poucos vão descobrindo a beleza e a riqueza humana e cultural da mensagem cristã. Descobrem que se houve conflitos com Galileu, o Padre Lamaître no início do século XX foi o precursor da Teoria do Big Bang, que Mendel, pai da genética era um monge, que a geologia teve importantes contribuições do Padre Nicolau Steno. Vão descobrindo catedrais e obras de arte feitas há séculos que as grandes multinacionais de hoje, mesmo com mais recursos e tecnologia, não conseguem imitar. Descobrem que no período colonial os missionários, tão acusados hoje em dia por sua atuação junto aos índios, foram seus grandes defensores, enquanto governos e pensadores “laicos” permitiam e justificavam sua escravização e a expropriação de suas terras. Descobrem que a Igreja vai muito além da tríade do mal, inquisição-cruzadas-venda de indulgências, repetida ad nauseam no ensino médio e, não raro, de forma rasa e descontextualizada. 

Não conhecendo a doutrina e a história do povo cristão em sua riqueza e sua humanidade, o mundo de hoje confunde os erros de alguns cristãos com os valores que iluminaram e humanizaram nossa sociedade. Como se a culpa do mensalão fosse dos valores democráticos e todos os que militam pela democracia fossem culpados pela corrupção. Papa Francisco não é uma estrela solitária em um céu escuro e sem brilho. É o fruto providencial de uma história tanto de mártires heroicos quanto de santos do cotidiano. Ele é um cristão que “segue a Igreja”, como ele mesmo disse aos jornalistas no voo de retorno da América do Sul.

Papa Francisco é o líder mundial mais respeitado da atualidade. Mas não há Papa Francisco sem toda a Igreja Católica, com toda a sua santidade e todo o seu pecado.

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SOBRE AS UNIÕES CIVIS

Comentário acerca da recente aprovação das uniões civis de homoafetivos nos EUA e na Irlanda, as campanhas contra o Arcebispo de São Francisco (1), D. Francis Cordilone, por ter reafirmado o ensino da moral católica nas escolas da sua arquidiocese e a morte de Leelah O’Conor (2).

Acredito que o tema já tenha sido bastante debatido nas últimas semanas, mas gostaria de adotar uma perspectiva que entendo ser fundamental, mas que tem sido pouco explorada: no plano de fundo deste debate está uma discussão acerca do que é, afinal, felicidade. 

De um lado, temos uma sociedade cujas ideias de liberdade, autoafirmação e subjetividade foram ganhando cada vez mais força e são hoje, para a grande maioria das pessoas, os vetores do que chamamos felicidade, auto realização. 

Para essa parcela da população, não podemos falar propriamente de leis naturais, de razão totalmente isenta ou de uma regra válida de comportamento para todos, porque estas, segundo dizem, simplesmente não existem. O que existe são diferentes pessoas, com personalidades diferentes, as leis deveriam apenas conter a violência física ou psicológica a que podemos nos submeter uns aos outros, para garantir que cada um, a partir de sua liberdade, possa buscar sua realização pessoal. 

Do outro lado, existe uma parte da sociedade, que ancorada principalmente, ou em grande medida, na experiência religiosa pensa de maneira diferente. E aqui a palavra experiência é importante, e no sentido “mais empírico do termo”, já que são séculos e séculos experimentando a mesma forma de vida. Para nós, a felicidade é uma busca, uma busca de algo fora de nós e que nos diga qual o caminho a seguir (3). A verdade se encontra assim fora de nós mesmos, na razão, na natureza, em última instância em Deus. 

E pela fé, sabemos ser, na verdade, uma busca de Deus por cada homem e por cada mulher, até que nos deixamos encontrar. E a cada dia, a cada momento, essa busca se renova. 

Eu diria que para nós a felicidade é mais de fora para dentro do que de dentro para fora. 

Mas como filho deste século, me parecem bem mais intuitivos os primeiros parágrafos. E acredito que talvez seja esse o grande desafio para nós hoje. Como dizer que este Encontro que afirmamos existir não é apenas uma gaiola dourada? Como dizer que o conjunto de leis sob os quais escolhemos viver não é apenas uma camisa-de-força cujo design vai variando e ficando mais colorida ao longo dos séculos? 

Como dizer, enfim, que essas leis, longe de serem arbitrárias como muitas que existem, na verdade revelam a verdadeira natureza do coração humano e assim tornam possível nossa autêntica realização?

Eu entendo que todo debate, toda denúncia que se faz sobre esses temas é importante. São luzes em tempos confusos que nos ajudam a manter a sanidade. Mas a maior contradição que podemos oferecer a este mundo em que, para o bem e para o mal, a Igreja se confunde cada vez menos com a sociedade civil, é sermos felizes. Nós não deveríamos ser felizes e somos. 

Mas não é suficiente a felicidade dos excêntricos. Ou daqueles que escolheram um ideal de vida bonito, mas inatingível para a grande maioria das pessoas. É preciso uma felicidade comunitária, a felicidade de uma nova sociedade. 

Precisamos reconstruir a cidade católica, retirá-la debaixo das ruínas da cidade em que ela se escondeu. Não apenas como uma cidade utópica, ideal, mas uma cidade concreta, feita dos nossos hospitais, nossas escolas, nossas paroquias, movimentos, comunidades e ordens novas e antigas. É preciso que reconheçam em nós aquele intercâmbio de dons do qual fomos chamados a ser sinal. 

É preciso reconstruir a cidade católica. Em cima do monte, no coração da cidade.

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