Comentário acerca da recente aprovação das uniões civis de homoafetivos
nos EUA e na Irlanda, as campanhas contra o Arcebispo de São Francisco (1), D.
Francis Cordilone, por ter reafirmado o ensino da moral católica nas escolas da
sua arquidiocese e a morte de Leelah O’Conor (2).
Acredito que o tema já tenha sido bastante debatido nas últimas semanas, mas gostaria de adotar uma perspectiva que entendo ser fundamental, mas que tem sido pouco explorada: no plano de fundo deste debate está uma discussão acerca do que é, afinal, felicidade.
De um lado, temos uma sociedade cujas ideias de liberdade, autoafirmação e subjetividade foram ganhando cada vez mais força e são hoje, para a grande maioria das pessoas, os vetores do que chamamos felicidade, auto realização.
Para essa parcela da população, não podemos falar propriamente de leis naturais, de razão totalmente isenta ou de uma regra válida de comportamento para todos, porque estas, segundo dizem, simplesmente não existem. O que existe são diferentes pessoas, com personalidades diferentes, as leis deveriam apenas conter a violência física ou psicológica a que podemos nos submeter uns aos outros, para garantir que cada um, a partir de sua liberdade, possa buscar sua realização pessoal.
Do outro lado, existe uma parte da sociedade, que ancorada principalmente, ou em grande medida, na experiência religiosa pensa de maneira diferente. E aqui a palavra experiência é importante, e no sentido “mais empírico do termo”, já que são séculos e séculos experimentando a mesma forma de vida. Para nós, a felicidade é uma busca, uma busca de algo fora de nós e que nos diga qual o caminho a seguir (3). A verdade se encontra assim fora de nós mesmos, na razão, na natureza, em última instância em Deus.
E pela fé, sabemos ser, na verdade, uma busca de Deus por cada homem e por cada mulher, até que nos deixamos encontrar. E a cada dia, a cada momento, essa busca se renova.
Eu diria que para nós a felicidade é mais de fora para dentro do que de dentro para fora.
Mas como filho deste século, me parecem bem mais intuitivos os primeiros parágrafos. E acredito que talvez seja esse o grande desafio para nós hoje. Como dizer que este Encontro que afirmamos existir não é apenas uma gaiola dourada? Como dizer que o conjunto de leis sob os quais escolhemos viver não é apenas uma camisa-de-força cujo design vai variando e ficando mais colorida ao longo dos séculos?
Como dizer, enfim, que essas leis, longe de serem arbitrárias como muitas que existem, na verdade revelam a verdadeira natureza do coração humano e assim tornam possível nossa autêntica realização?
Eu entendo que todo debate, toda denúncia que se faz sobre esses temas é importante. São luzes em tempos confusos que nos ajudam a manter a sanidade. Mas a maior contradição que podemos oferecer a este mundo em que, para o bem e para o mal, a Igreja se confunde cada vez menos com a sociedade civil, é sermos felizes. Nós não deveríamos ser felizes e somos.
Mas não é suficiente a felicidade dos excêntricos. Ou daqueles que escolheram um ideal de vida bonito, mas inatingível para a grande maioria das pessoas. É preciso uma felicidade comunitária, a felicidade de uma nova sociedade.
Precisamos reconstruir a cidade católica, retirá-la debaixo das ruínas da cidade em que ela se escondeu. Não apenas como uma cidade utópica, ideal, mas uma cidade concreta, feita dos nossos hospitais, nossas escolas, nossas paroquias, movimentos, comunidades e ordens novas e antigas. É preciso que reconheçam em nós aquele intercâmbio de dons do qual fomos chamados a ser sinal.
É preciso reconstruir a cidade católica. Em cima do monte, no coração da cidade.