A Igreja, o Censo e os Números

Mais um artigo sobre a Igreja e o Censo Religioso
Na semana passada estava lendo o site de ex-alunos da minha faculdade e me deparei com um artigo muito interessante sobre uma empresa social espanhola, a Fundació Futur (Fundação Futuro)*. Para quem não está familiarizado com o termo ,“empresa social” trata-se de empresas que operam normalmente (buscam lucro e profissionalizam sua gestão) mas que tem fins sociais, existem para atender uma demanda social. A Fundação Futuro, por exemplo, é uma empresa de catering (buffet) que existe para empregar  pessoas em vulnerabilidade social, principalmente ex-presidiários. Este tipo de trabalho é o que há de mais novo em desenvolvimento social.
Conforme fui lendo sobre a Fundação Futuro , descobri que ela contou com uma doação de terreno das Irmãs Hospitaleiras e com o suporte da Cáritas de Barcelona no início. Não fiquei surpreso por encontrar mais um trabalho de vanguarda sob a influência da Igreja Católica. Nos últimos anos tenho descoberto cada vez mais casos desses e sugiro para quem tiver interesse procurar saber mais sobre Cavaleiros de Colombo, Economia de Comunhão e o início do cooperativismo nas Cooperativas de Mondragón, fruto do trabalho de um padre jesuíta.
O que me surpreende cada vez mais é não ouvir a respeito dessas iniciativas nas Paróquias. E conviver com esse dualismo: de um lado a Igreja que vivo, descubro e me encanta a cada dia mais e de outro a propaganda que a própria Igreja faz de si mesma, como uma instituição arcaica, triste e decadente.
E é exatamente este estado de ânimo que me vem à mente quando ouço muitos comentários, da própria Igreja, sobre o último censo religioso**.
O fato de existirem 2 ou 2 bilhões de católicos não faz a menor diferença para minha fé. Mas gostaria de comentar a respeito do censo no intuito de tentar vencer este estado de ânimo que assola boa parte da Igreja, minando a confiança do povo simples e dando espaço a vozes que não contribuem em nada com a purificação e o desenvolvimento da Igreja.
Muita gente ficou apreensiva com o fato do número de pessoas que se declaram católicas ter reduzido de 73 para 68%. Mas temos que ter em mente que mesmo esses 68% são pura ilusão. Se todos católicos forem à Missa no próximo domingo, não teremos lugar nas Igrejas. E mesmo se 20 anos atrás todos fossem à Missa, também não teríamos lugar para todos. Considerando-se que em nosso país entre 36 e 48%*** da população frequenta o culto pelo menos uma vez na semana, o que temos é algo entre 24 e 32% dos brasileiros que freqüentam as paróquias.
Falar de um país religioso é também uma outra ilusão que se tem a respeito do Brasil. Pela mesma pesquisa citada acima, o Brasil está em 17º em uma amostra de 53 países, atrás da Bélgica, do Canadá e uma posição à frente da Holanda, países que dificilmente consideraríamos religiosos.  O Brasil é historicamente um país sincretista, pouco fiel a ortodoxias, sejam elas quais forem. O que entendo que tem ocorrido nas últimas décadas é uma migração de não-praticantes para outros grupos religiosos à medida que a Igreja foi perdendo, no Ocidente inteiro, seu status de religião oficial. E convenhamos, o status de “religião oficial” talvez tenha feito mais mal do que bem à Igreja.
Um dado interessante que contradiz esta imagem da “perda de fieis” é o número de novos templos e paróquias da última década. Uma Igreja que perde fieis não é uma Igreja que constrói templos.  Seria interessante ter da CNBB estes números. O fenômeno brasileiro é bem diferente do que ocorre na Europa e em lugares como o Japão.
Na base de dados da Wolrd Values Survey (WVS)****, encontramos mais um dado interessante: de 1991 até 2006, o número de brasileiros que freqüentam o culto uma vez por semana ou mais cresceu consistentemente de 33,6 para 48,6%. Este número indicaria que, apesar do país estar passando pelo mesmo processo de secularização de outros países ocidentais, este processo está sendo acompanhando pelo crescimento do número de praticantes da religião.
O número de pessoas que participa do culto mais de uma vez por semana saltou de 12,6 para 22,3%, um aumento proporcional de 77%, segundo a WVS. Um outro dado que não pode ser desprezado é o fato da Igreja Católica contar ainda com o maior encontro de jovens do mundo, a Jornada Mundial da Juventude.
O número de ordenações no mundo tem se mantido estável, tendo tido inclusive um ligeiro aumento em alguns anos da última década. Na Ásia, a Igreja cresceu 10% entre 2008 e 2009, o que é um número bastante importante, tendo em vista a perseguição que a Igreja sofre na China, na Índia e no Oriente Médio. O número de seminaristas também aumentou nesse biênio e o número de diáconos permanentes cresceu mais de 2,5%*****. Os clérigos e religiosos da Igreja Católica somam cerca de 1 milhão de 200 mil pessoas******.
Para se ter uma ideia sobre o tamanho do clero católico, basta pensar que a Unilever, uma das maiores multinacionais do mundo conta com 167.000 colaboradores*******, para as quais ela tem que pagar um bom salário. A Igreja por sua vez conta com quase 10 vezes mais pessoas que além de não receberem um bom salário (deve estar entre as menores remunerações para quem tem ensino superior no mundo) doam suas vidas e fazem enormes sacrifícios pessoais para se dedicarem a ela inteiramente.
Ao invés pensar sobre os milhões de fieis que perdemos, que na verdade nunca tivemos, temos que pensar na força que temos com mais de um milhão de consagrados no mundo e cerca de 45 milhões de praticantes somente no Brasil. O número de católicos na grande São Paulo talvez seja maior que o número de cristãos que existiu em Roma antes de Constantino. Se aqueles homens puderam fazer tanto e remodelaram o mundo, o que podemos fazer nós que somos muito mais e ainda contamos com o mesmo Espírito?
Explorar bem o potencial que temos, fazer um bom trabalho, é nosso maior desafio em termos organizacionais, um desafio talvez maior do que a crise cultural que o Ocidente atravessa.
Mas também existem dados que são bastante preocupantes.
Em 2000, o número de pessoas adultas que se batizaram na Igreja Católica nos EUA atingiu um pico histórico de 172.581 pessoas********. O que é um imenso contra-senso, uma vez que em 2000 a secularização da sociedade americana era tão forte quanto agora. Nos anos seguintes ocorreu a divulgação dos escândalos de pedofilia na Igreja americana, o que levou uma queda desse número para o patamar dos 100.000, sendo que já em 2001 houve uma queda de 12% no número de novos católicos adultos.
O comportamento das lideranças da Igreja é em grande parte responsável pelo fato de encontrarmos poucos adultos entrando na Igreja Católica. Não podemos pensar somente na disciplina do clero, mas também nas lideranças leigas, que tem pouco ou nenhum controle por parte dos bispos. Deixar a liderança da Igreja nas mãos de pessoas muitas vezes despreparadas e instáveis emocionalmente pode causar um grande dano a essas pessoas e à Igreja como um todo. Ao falar sobre o trabalho e a disciplina dos leigos, lembro ainda que muitas das pessoas que retornam à Igreja para os sacramentos são recebidas por cursos de noivos e de batismo de baixíssima qualidade, o que também é um ponto importante a ser trabalhado.
Outro dado que merece nossa atenção é a queda drástica no número de religiosas em quase todo o mundo, diminuindo entre 2 e 3% ao ano nos último anos******. Dos cerca de 1,2 milhão de clérigos e religiosos católicos, 700 mil são religiosas, cerca de 58%. O que tem afastado as mulheres da vida consagrada? Falamos muito da falta de padres, mas são as mulheres que mais tem deixado a vida consagrada.
De maneira geral, apesar da preocupante secularização do Ocidente, há números que são bastante favoráveis à Igreja, apesar dos desafios. Eu tenho muitas razões para ser otimista. O fato da Igreja Católica se transformar em uma minoria, mesmo entre os cristãos, é uma possibilidade real, mas acredito que não devemos nos preocupar com isso. Primeiro porque a missão da Igreja não é arrebanhar números. Nosso Senhor não morreu para salvar uns 15% ou 75%, rs. Morreu por cada um. Amou cada um. E ainda que nenhum de nós acolhesse seu Amor, Ele teria morrido pela possibilidade de que apenas um de nós se salvasse. Ele morreria pela chance de me salvar!
Além disso, a ação da Igreja no seio da humanidade é um mistério. E os apóstolos já sabiam disso quando ainda eram uma comunidade pequenina, mas que de forma ousada sabia que cada gesto seu servia para salvar a humanidade inteira. Ofereciam sacrifícios por todos os homens, eles que eram tão poucos. Que ousadia essa de um grupo de poucas pessoas assumir sobre si a responsabilidade pela humanidade inteira!
E o mesmo Espírito que fez surgir franciscanos, beneditinos, jesuítas e tantos outros, é o mesmo que faz surgir as Novas Comunidades, é o mesmo que nos conduz, mesmo quando cegos pelos nossos erros não vemos. Quem poderia prever tudo isso nos anos 60? Quem imaginaria essa “perda” de fieis? Mas quem também imaginaria a RCC, as Novas Comunidades, tantas conversões? Eu cresci em uma família que aos poucos se converteu e redescobriu a fé católica (não só meus pais retornaram à fé, mas tios, avós, primos e conhecidos...), em uma cidade do interior que contava com 2 paróquias quando eu era criança e hoje conta com 9 com pelo menos mais uma capela por paróquia, sendo que a população diminuiu nos últimos 10 anos. O mesmo Deus que fez isto em minha casa pode fazer o mesmo no país e no mundo inteiro.
Em Fátima, Maria profetizou que em muitos lugares do mundo se perderia a fé, São João Bosco falava de tempos difíceis para a Igreja...se já vimos o cumprimento dessas profecias, acreditemos também na segunda parte dessas mesmas profecias: por fim, o Coração de Maria e a Eucaristia nos trarão a paz! Sejamos fieis, não medrosos!


*http://www.fundaciofutur.org/eng_catering.htm
**Pesquisa de Orçamento Familiar, IBGE 2011
*** http://www.nationmaster.com/graph/rel_chu_att-religion-church-attendance, baseado na World Values Survey (WVS), uma base de dados bastante utilizada pelos pesquisadores. A margem de 26 a 32% foi montada com as informações deste site e última pesquisa da WVS que pode ser encontrada no site http://www.worldvaluessurvey.org/
****Base de dados online da World Values Survey http://www.wvsevsdb.com/wvs/WVSIntegratedEVSWVSvariables.jsp?Idioma=I
***** Zenit, agência de notícias católica
******Center of Applied Research in the Apostolate, centro de pesquisa aplicada ao apostolado católico da Universidade de Georgetown  http://cara.georgetown.edu/CARAServices/requestedchurchstats.html
********Blog do Center of Applied Research in the Apostolate, centro de pesquisa aplicada ao apostolado católico da Universidade de Georgetown
http://nineteensixty-four.blogspot.com/2011/08/research-notes.html

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1 Response to A Igreja, o Censo e os Números

  1. Parabéns pelo excelente texto, Rodrigo. Compartilhamos as mesmas intuições, alegrias e tristezas. Mas principalmente, sabemos que a Guerra está ganha. Temos é que nos manter firmes na frente de batalha para tentar arrebanhar alguns para nosso lado.

    Abraço! Que Deus continue abençoando...

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