Arautos, Marchas e Militarismo

"O abuso não tolhe o uso", diz o ditado romano.





A Igreja é uma sociedade que liga o Céu à Terra. Se muitas vezes no passado, e principalmente no passado recente, autoridades da Igreja e seus filhos tenham jogado à lama a face visível da Igreja, nada muda nesse sentido, pois como está dito acima, o abuso não tolhe o uso. 

Pela sua natureza, a de levar todas as coisas da Terra ao Céu (e trazer o Céu à Terra), a Igreja não se baseia na opinião corrente, ou mesmo nas preferências de um ou de outro, ou mesmo na oposição a esse ou aquele grupo. A Igreja é uma sociedade totalmente diferente de todas sociedades que os homens e as mulheres possam formar. Ela é "a" sociedade por excelência, fundada por Cristo.

Ela até pode levar (e leva) essas mais diferentes questões em consideração. Mas ela se pergunta a todo momento o que cada coisa vale em si mesma, não o que uma determinada sociedade pensa delas ou como as põe em prática. Mas em que medida podem fazer bem ou mal ao homem, e isso vale para todas coisas, todas as coisas mesmo. E nessa direção já se fez as mais diferentes perguntas na sua longa jornada: os religiosos podem andar a cavalo, que era a montaria dos ricos? Podemos tomar café, que era a bebida dos muçulmanos invasores? Podemos ser comerciantes, que era a profissão de muitos fraudadores? Podemos estudar a filosofia dos gregos, que tem uma série de perigos? Os monges podem portar uma espada para defesa pessoal, que é usada por mercenários e ladrões? E etc, etc, etc...

E se pergunta a todo momento como essas realidades devem também consagradas e ordenadas em Cristo, Centro e Finalidade de todo o universo, Rei e Centro de todos os corações, como diz a Ladainha do Sagrado Coração de Jesus. Facilmente podemos concluir que uma vez que tudo que Deus fez (e inclusive o que ele colocou no coração do homem) é bom, todas as coisas devem ser reordenadas, purificadas em Cristo...é preciso recapitular todas as coisas em Cristo, as que estão nos céus e as que estão na terra (Ef 1,9 e 10). E não simplesmente escolher as coisas mais fáceis, mais agradáveis, que uma determinada sociedade acolha mais facilmente...pois como está dito, o abuso...e a missão da Igreja é muito mais elevada, incomparavelmente mais, do que agradar este ou aquele...

Até porque, nunca se ouviu dizer de um doente que gostasse logo de cara do remédio.

E isso não se deu sem várias polêmicas e debates ao longo da história...

Pensemos no caso de São Francisco de Assis. Estamos (ou estávamos até pouco tempo atrás) acostumados com a ideia dos frades franciscanos vivendo em pobreza absoluta. Eu arrisco imaginar que até hoje esse é o arquétipo no imaginário popular de um bom religioso. 

Mas nem sempre foi assim. Após a morte de Francisco, grandes debates ocorreram na Universidade de Paris entre dominicanos e franciscanos de um lado e beneditinos de outro. Afinal, Jesus Cristo não foi mendicante, como entender a pobreza franciscana? E como conciliar o "Ora et Labora" dos beneditinos com a mendicância, que é justamente o "não-trabalho", "não-labora"?

Além disso, o estilo de vida de Francisco não seria uma afronta a grandes santos beneditinos, como São Bernardo Claraval, grande reformador moral de mosteiros, aquele do qual se dizia que depois da Virgem Maria foi quem mais fez milagres na Europa? Sem falarmos que os monges de São Bernardo eram exímios administradores de propriedades para o bem da comunidade e dos pobres.

E junte-se a isso o fato que os franciscanos discordavam entre si (e até hoje em alguma medida) sobre como viver a regra que Francisco lhes deixara...

É difícil para nós reproduzir o choque daquelas pessoas que viviam em um mundo rural, árduo em que a disciplina era a medida da sobrevivência a invernos rigorosos ver um grupo de frades que simplesmente se "recusava" a trabalhar. São Paulo não disse que quem não trabalha não deve comer?

A Igreja em sua infinita sabedoria, que é o Espírito Santo, conjuga contrastes harmônicos, por assim dizer, parafraseando uma bela expressão do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. E os concilia todos em uma ordem superior, que é Ela mesma. 

A pobreza franciscana e a disciplina beneditina são traços do mesmo Deus, que se expressa na multiplicidade de dons e carismas. Na multiplicidade de traços e aspectos somos chamados a vê-lO. E assim, ao longo da história, diferentes famílias religiosas foram se formando, trazendo aspectos e explicitando atributos divinos para o bem de todos os homens, conforme a necessidade dos tempos, mas sobretudo pelos desígnios de Deus para nossa salvação.

A pobreza franciscana, bem sabemos, não é um "não-trabalho", é um testemunho vivo da existência real da Providência, um chamado ao abandono e à entrega total a Deus, porque os lírios dos campos não trabalham e nem fiam, mas nem Salomão se vestiu como um deles com toda a sua glória (cf Mt 6, 25-32). Evidentemente, um franciscano poderia escrever aqui bem melhor do que eu a esse respeito...

Soube recentemente de uma ordem religiosa somente para irmãs cegas (Irmãs Sacramentinas de Dom Orione), outra para portadoras de síndrome de Down (Pequenas Irmãs Discípulas do Cordeiro), outra ainda só para cuidar dos leprsosos, as Filhas dos Sagrados Corações de Jesus e Maria fundada pelo impressionante Beato Luis Variara, salesiano...é infindável a multiplicidade de dons e de famílias de almas na Igreja...mas alguém poderia dizer: até aí tudo bem. Que Deus cuide dos pobres, todos sabemos, mas poderia Deus suscitar uma ordem militar? Afinal, a violência das armas parece tão contrária ao espírito do Evangelho...

Para isso, precisamos distinguir três coisas: primeiro, o papel da violência dentro do cristianismo. Segundo, fugir de um pacifismo ingênuo, que é diferente da busca da paz e da mansidão evangélica e por fim, em que consiste uma cavalaria, ainda mais uma cavalaria religiosa.

Dois soldados se aproximaram de São João Batista e lhe perguntaram como deviam viver. Ele disse apenas para se contentarem com seu salário e não extorquirem e nem fazerem violência injusta a ninguém (cf Lc 3,14), o que aliás é um tema sempre atual. Mas não disse para não serem soldados. A fragilidade humana, decorrente da doutrina do pecado original, implica em termos sempre alguma forma de vigilância na sociedade. Nada mais ilusório que o mito do bom selvagem rousseauniano, basta ver que os bons selvagens viviam (e se ninguém impedir ainda vivem) em guerra.

Quando as nações se tornaram católicas, nada mais natural que os soldados aos poucos também se organizassem segundo o espírito da Igreja, constituindo ordens, cavalarias e etc...

A respeito de um tipo ingênuo de pacifismo, podemos lembrar que São João Paulo II disse certa vez que desejava a paz a qualquer preço, mas não a qualquer custo. O santo papa, inclusive, permitia a posse de armas nucleares pelos países como forma de deterrência, ou seja, para evitar ser atacado por outro país. Obviamente, o Papa desejava o desarmamento, mas sabia que, ainda mais crescendo na Polônia comunista, o desarmamento em certos casos não traz a paz, mas apenas torna mais fácil a tomada por uma nação, ou um grupo, de intenções nefastas. A experiência histórica diz que, embora hoje vivamos em mundo menos violento do que aquele que emergiu do fim da Idade Média até a Segunda Guerra Mundial, quando ocorreram efetivamente as guerras nacionais, ainda assim, sempre há o risco da ambição, ou até a loucura humana, nos levarem aos mais terríveis conflitos. Portanto, preparar-se e defender-se, é um direito.

Assim, do dito até aqui deduz-se que a existência de armas e exércitos é e sempre foi algo lícito dentro do mundo cristão. Mas com isso desejo dizer que devemos formar um exército cristão? Um grupo paramilitar ou algo do gênero? Claro que não.

Pois a razão da Igreja, como está dito, é ligar o Céu e a Terra, sua missão é evangelizar. E somente conforme a sua influência vai assumindo naturalmente todas as coisas, todas as realidades, exércitos inclusive, vão sendo assumidas por ela, como foi na história. O que hoje, no nosso mundo secularizado e tão longe da Igreja, absolutamente não é o caso. Estamos mais perto da era dos mártires do que daquela dos santos reis cristãos, São Luís e São Fernando.

Nem todos foram chamados à pobreza franciscana. Mas ela em si era um sinal, querido por Deus para toda uma época. Da mesma maneira, hoje, ainda no seu início e no desejo de um dia dar à Igreja a mesma glória que franciscanos, beneditinos, salesianos e jesuítas deram e dão, surge uma cavalaria religiosa, na expressão utilizada pelo Cardeal Franc Rodé.

As quase ininterruptas derrotas que a Igreja sofreu no mundo, por dentro e por fora, há séculos, o medo gerado em todos pela possíbilidade real de pela primeira vez na história a humanidade poder aniquilar-se a si mesma e o ar de sensualidade e moleza implantado no mundo depois do grande triunfo do cinema americano, entre tantas outras coisas, contribuiu para que nós católicos nos tornássemos apáticos, anestesiados, muito prontos a ceder ao mundo na busca de um acordo, mesmo antes de consultar nossa própria história e cultura, quase incapazes de afirmar nossa fé diante desse mundo em que nos atolamos e afogamos...cada vez mais vamos nos refugiando em grupos cada vez menores de nós mesmos, mais nos consolando, do que avançando para evangelizar o mundo...

Revestí-vos da armadura de Cristo (cf Ef 6, 10 - 24), combatei o bom combate (cf 2 Tm 4, 7)! Assim como Santo Inácio não queria montar um exército regular ao fundar sua "companhia" e ao chamar todos a combater por Deus na sua regra e nem São Bento pensou nisso quando chamou os monges a militar por Cristo pelas arma da obediência, essa nova cavalaria religiosa tem outro objetivo, quer salvar almas.

Mas a sua mendicância consiste em honrar aqueles que defenderam a Igreja no passado, muitas vezes com o custo da própria vida, quer deles o mesmo desprendimento, a mesma disposição de dar tudo como nos pede o Evangelho e o mesmo destemor diante do mundo. E a quantidade de jovens e pessoas que têm se aproximado nos indica de que algo muito íntimo foi atingido no coração desses homens e mulheres das mais diferentes idades e condições de vida.

São Nuno, São Luís, São Fernando...e tantos outros, santos esquecidos que souberam ser firmes na hora de enfrentar os inimigos, mas também doces e misericordiosos. Mas e os excessos, os erros cometidos...?Como dito no começo deste texto, o abuso não tolhe o uso.

Se demônio manchou algo na história da Igreja, vamos alvejá-las no Preciosíssimo Sangue do Cordeiro, pois nEle devem ser recapituladas todas as coisas!

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Carta Capital e Arautos

Mais uma calúnia deles, mais uma espadada nossa





Sempre achei muito interessantes os textos da Carta Capital. Não se pode dizer que sejam mal escritos (ou não eram pelo menos, mas do jeito como anda o mundo, já não se fazem militantes de esquerda como antigamente...). Li a revista muitas vezes, como uma especialista em meia-verdade, mas a parte da meia-verdade deles (que é mentira) não deixava de ser interessante. 

Essa última reportagem não deixa de ser curiosa. Acusam os Arautos de finalmente assumirem seu apoio ao Bolsonaro como uma estratégia de se defender dos grandes grupos de mídia que se alinham à esquerda, tentando um futuro governo como estratégia desesperada de obter recursos por meio de propaganda de estatais e que por isso atacam os grupos conservadores, seus potenciais rivais...A revista dá a entender que esta é uma narrativa criada pelos Arautos. 

Bem, mas quando a Carta Capital afirma que os Arautos é aliada do Bolsonaro e é um grupo conservador que deve ser atacado...ela não faz exatamente isso? 

E...Carta Capital fazendo eco à reportagem da Globo? A TV da ditadura e etc...já não se fazem militantes de esquerda como antigamente...

Parece que a equipe de reportagem da TV Arautos é melhor que a da Carta Capital.

Entretanto, o ataque não é aí. O ataque está na foto das "relíquias" de Mons. João, deixada despreocupadamente no começo da reportagem (e aliás não tem nada a ver com a reportagem, o que deixa claro ter sido colocada de forma ofensiva) como tentativa de reforçar a narrativa difamatória, caluniosa e de baixa qualidade intelectual de que somos um grupo fanático, radical, inimigo do bom senso e etc...

Pois então, mostremos o bom senso da prática. São Bernardo de Claraval deixava que sua túnica fosse cortada, em vida, e levada pelos fieis. Uma certa santa bebia a água em que as freiras do convento lavavam seus pés em sinal de veneração às religiosas e Santa Teresinha sugeria que guardassem as unhas que cortava, porque um dia as pessoas as considerariam importantes. 

E o São Pe Pio, sempre bem humorado, dizia que se sentia muito protegido, porque tinha uma foto do Padre Pio sempre com ele. rs.

São João Bosco, os doentes deixados para que a sombra de São Pedro os tocasse como narra os Atos dos Apóstolos...e poderíamos buscar ainda muitos outros exemplos. 

Mas um ateu poderia argumentar que ao invés de ajudar os Arautos, esses argumentos apenas demonstrariam a irrazoabilidade de toda a Igreja Católica. A isso poderíamos responder que ele (ou ela, para não deixarmos de ser inclusivos) não entendeu duas ideias centrais para a fé cristã: a humildade e a dignidade do corpo humano. 

A humildade é a verdade, diz Santa Teresa. O humilde não se faz inferior ao que realmente é, mas apenas reconhece o que lhe é superior. Ele não se faz menor, ele admira o que é maior. E se alguém nos ensinou algo fundamental para nossa vida, se recebemos por meio de alguém tantas coisas que jamais receberíamos de outro modo, este alguém é digno de honra e homenagem. 

Já o orgulhoso não reconhece o fato mais essencial de que não consegue fazer nada sozinho, fica a vida inteira imaginando pontos em que supostamente é melhor que os demais, provas da sua autossuficiência e histórias alternativas (narrativas criadas para si mesmo) que mostram como poderia ter feito tudo sozinho. E não sabe sequer plantar um pé de alface.

Somos templos do Espírito Santo, diz  São Paulo. E se pelo nosso corpo exercemos o bem, se por ele passou a ação de Deus, se torna além de templo, um templo purificado. E digno de honra e homenagem. E se tocou, por assim dizer, o Divino, se torna divinizado, como um tecido em que caíram algumas gotas de ouro, que não vale por si, mas pelas gotas que o tocaram. 

Diz o Evangelho que até os cabelos de nossa cabeça estão contados, isto não é apenas uma força de expressão. Se vivermos como devemos viver, não serão apenas as relíquias de alguns homens e mulheres santos que teremos, mas de uma multidão de cristãos. 

Cada um na sua ordem. E com a sua devida homenagem. 






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ARAUTOS, FANTÁSTICO, ABUSO E HUMILHAÇÕES

Mais do mesmo na Igreja? Mas qual dos mesmos? 




A reportagem do Fantástico sobre os Arautos me fez lembrar uma notícia que li há algum tempo sobre um grupo fundamentalista hindu que tinha atacado um mosteiro feminino porque eles foram ensinados que as religiosas eram escravas dos padres (1). Bem, mas isso, de acreditar nessas coisas, só acontece em países pobres (como se o Brasil fosse muito rico) e muito atrasados, certo? Bem, não é bem assim...

Na verdade, a Igreja Católica hoje é uma grande desconhecida no país em que o primeiro ato público da sua história foi uma Missa, desconhecida até mesmo para os próprios católicos. Tanto é verdade que o fato do superior geral da maior ordem religiosa masculina do mundo dizer que o demônio não existe ou que muito provavelmente foi feita uma cerimônia com um ídolo pagão nos jardins do Vaticano não assusta ninguém...mas um exorcismo... 

Mas alguém poderia perguntar: já não vimos esse filme antes? Um grupo conservador, com aspectos militares e que depois...revela uma série de problemas morais. E muitas pessoas, muito boas, sofrem até hoje as consequências dessas tragédias. Infelizmente a quantidade de escândalos que temos na Igreja nos permite fazer essa pergunta.

Mas o demônio está nos detalhes.... 

Além do caso dos Arautos, e dos casos acima, já vimos também "outros casos antes". Chamaram a atenção no mundo católico recentemente o caso do fundador dos Franciscanos da Imaculada, Pe Stefano Maria Manelli e do Cardeal Pell. No primeiro caso o padre foi acusado de abuso por uma ex-religiosa do instituto, foi julgado e depois inocentado, mas sua ordem sofre ainda uma forte intervenção. Já no caso do Cardeal Pell, ele foi acusado por dois ex-coroinhas de abuso. No caso do Cardeal, que agora está preso, para que o crime pudesse acontecer, ele teria que deixar a procissão final, como bispo, ir à sacristia, encontrar dois coroinhas tomando vinho canônico e atacá-los ainda paramentado. Qualquer católico sabe que isso é simplesmente impossível. Mas o Cardeal foi levado a júri popular e condenado. 

O que esses casos tem em comum? O fato de não terem testemunhas além das acusadoras que, no caso dos Arautos e dos Franciscanos afirmam que o superior agiu em acordo com a sua superiora imediata. E no caso dos Arautos, são estrangeiras, o que torna mais difícil serem punidas pela justiça brasileira...além de que os supostos crimes praticados são, no mínimo, improváveis... 

Os Franciscanos também eram conservadores e estavam em franca expansão. Cardeal Pell fez uma forte campanha contra o lobby gay na Austrália na votação que o país teve sobre as uniões civis e era o responsável pela reforma financeira do Vaticano...no caso dele, um dos acusadores disse à mãe no leito de morte que era mentira e ainda assim, levado a júri popular, o cardeal foi condenado. Bem, eu o considero inocente. 

Voltando ao caso dos Arautos, o timing, das ações também é bastante interessante. Segundo a Veja, ela possui o depoimento de um ex-Arauto que teria dado origem à visita canônica de 2017. Quando os Arautos perguntaram a que se devia a visita, não foram informados que havia uma denúncia. E nem souberam depois. Terminada a visita, com milhares de Arautos entrevistados, eu inclusive, não se encontrou nada. 

Mas um pouco depois dos incêndios na Amazônia e um pouco antes do Sínodo, um grupo de acusadores reabre um processo fechado contra um dos colégios dos Arautos e faz boletins de ocorrência (não há processo ainda) quase ao mesmo tempo em que vão à imprensa...começando por um site de propriedade de Luiz Estevão, ex-político e atual presidiário. 

Uma pergunta interessante a se fazer é, se há um suposto crime (que é calúnia, mas isso é outra história), o colégio não deveria ser protegido? Por que fechar o colégio? O que isso tem a ver com as acusações? 

Ocorre que o colégio encaixa em uma narrativa... 

Chesterton, católico inglês, do final do século XIX e começo do XX, comenta em "Ortodoxia" que um dos mitos do pensamento contemporâneo é que os homens viviam em um passado pré-histórico de forma mais ou menos livre, satisfazendo seus instintos e que, em algum momento, um grupo passou a dominar os demais impondo o terror e o medo, utilizando a ideia de uma vida e castigos pós-morte. E que assim teriam surgido os primeiros sacerdotes. 

A este mito hoje se soma outro, a ideia de que a relação entre sacerdotes e leigos seria uma relação de poder (clericalismo) e que abusos aconteceriam não por falta de virtude, mas por uma relação de dominação. Uma vez que todos carregaríamos os mesmos incontroláveis instintos primitivos, a forma de tornar a vida mais civilizada e evitar situações como essas não seria ensinar a virtude (e a rezar), mas dividir o poder. 

E jovens castos, puros e alegres não existem. Só podem ser assim robotizados, controlados e dominados, porque afinal de contas, ainda mais os jovens, tem instintos incontroláveis. 

Certo? 

Errado. 

Basta visitar um colégio dos Arautos. O choque com essa narrativa que nós de uma maneira ou outra compartilhamos, porque fomos criados nela, é tão grande que eu mesmo conheço não poucos casos de pessoas que quando descobriram que se pode viver uma vida pura, ficaram maravilhadas (1). 

E a quem interessa atacar os Arautos...? 

Aqueles que atacam os Arautos, não me refiro às acusadoras, mas aqueles que estão por trás disso tudo se beneficiando de um grupo pequeno de desafetos, não se importam com religião. Esses só se importam com dinheiro e poder. E por alguma razão eles acreditam que os Arautos podem atrapalhar isso. 

Se eles pensam isso dos Arautos, os religiosos, estão enganados. Sua missão é totalmente religiosa. 

Agora, se eles pensam que os leigos que participam do movimento e os amigos dos Arautos, que são algumas milhares de pessoas somente no Brasil, vão querer se tornar uma força político-social para não deixar que o país caia nas mãos dessa quadrilha imunda, pensaram bem. 

Pois é exatamente isso que vamos fazer.




(1) Link a publicar 
(2) Além de que para mostrar que essa narrativa apresentada por Chesterton é absurda, basta verificar que se na história cristã houve sangue, antes dela, era só sangue. E que quanto mais os arqueólogos cavam, mais cemitérios e rituais encontram. No final das contas parece que o homem sempre foi religioso. 

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A BELEZA DA AMIZADE

São Stanislau Kotska nasceu na Polônia, por volta de 1550, filho de família nobre. Desde pequeno se destacou por se interessar pelas coisas santas e pela vida inocente. Conta-se que certa vez, quando criança, ao ouvir um homem falar mal da Igreja e de Deus sofreu um desmaio, tamanho o mal-estar que esse assunto lhe causava. Hoje já iriam dizer que ele era um desequilibrado emocional, que temos que saber conviver com opiniões diferentes, não importando se na verdade não são opiniões, mas ofensas, e iriam até esquecer que estamos falando de uma criança...porque, infelizmente, nos dias de hoje, quando falamos de tudo que é puro e inocente, as pessoas tremem, se irritam e atacam. Mas muitas ainda se alegram.

Entre os fatos da vida dele, diz-se que certa vez, achando que ia morrer, pediu para receber um Padre e assim poder receber a Extrema Unção e o Viático. O dono da hospedaria, disse que se um padre pisasse ali, colocaria ele e o seu irmão na rua. São Stanislau rezou a Deus e vieram dois anjos e Santa Bárbara e lhe trouxeram eles mesmos a comunhão. Apareceu-lhe ainda a Virgem com o Menino-Deus no colo, que subiu nos seus braços e o afagou. E Nossa Senhora lhe pediu para entrar na Companhia de Jesus, os jesuítas.

Como o pai pensasse para ele um grande futuro político, era contra sua vocação religiosa. E como seu pai era importante, alguns religiosos temiam recebê-lo sem a sua autorização e criar um problema político, e por isso lhe fecharam as portas. Sem desanimar, Stanislau fugiu e foi de Viena à Alemanha a pé, onde foi recebido por São Pedro Canísio. Grande Santo que converteu várias cidades que haviam caído no protestantismo de volta ao catolicismo. E São Pedro Canísio, achando que a Alemanha ainda não era segura para ele, mandou-o para Roma, sob os cuidados de São Francisco Borja.

Fico imaginando quando o olhar de São Pedro Canísio pousou sobre São Stanislau. Deve tê-lo achado um jovem impressionante, com uma luz diferente e depois, ouvindo-o contar sua história, seu coração deve ter se aquecido de alegria e ele deve ter desejado fazer tudo o que estava a seu alcance para fazer este jovem ainda mais santo. Deve ter sido uma alegria imensa. Depois mandá-lo da Alemanha a Roma, atravessando a Europa naufragada em guerras depois da Revolução Protestante, deve ter lhe trazido à mente e ao coração um misto de coragem, bravura e também ternura por aquele mais jovem. Também admiração e alegria por ver assim um jovem filho da Igreja indo tão bem.


São Francisco Borja, depois de recebê-lo e lhe examinar bem, fitando-o e refletindo sobre o que via e sentia, deve também ter sentido uma grande alegria por ter tido a imensa graça de receber um jovem assim tão excelente na sua família religiosa. Imagino que não conversaram muito, mas o suficiente. Afinal, eram tempos de guerra. Por um lado, a Igreja parecia desmoronar por dentro, por outro a queriam derrubar por fora. Os cumprimentos devem ter ficado para o Céu. De onde ainda batalham ainda mais do que antes por nós. Mas quando na Glória receberem seus corpos ressurretos, eu penso que uma das primeiras coisas que farão será se abraçarem. E agradecerem um ao outro por terem se servido mutuamente de escada para a eternidade. E então poderão levar à plenitude a amizade que começaram. 

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O QUE GREGORIO DUVIVIER NÃO ENTENDEU SOBRE O NATAL


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Bem, na verdade ele não entendeu nada. Mas criou, de novo, uma boa polêmica, afinal todo Natal e Páscoa é isso agora. O que há de inteligente na polêmica é que ela se aproveita de uma ideia infelizmente bastante disseminada para fazer palanque desse novo velho progressismo que parece ter eleito “conservadores cristãos” como bodes expiatórios para todos os problemas que eles não sabem explicar.

Bem, Jesus andou com as prostitutas e os ladrões não condenando ninguém e foi um grande revolucionário, realizando inclusive o milagre da multiplicação dos pães, morto por um crime político, um autêntico líder de esquerda, certo? Errado.

É verdade que Jesus perdoou a prostituta, ou a mulher adúltera, que perdoou na cruz um bandido e que realizou o milagre da multiplicação dos pães. Mas havia muitas prostitutas em Israel, e apenas uma foi perdoada. Na cruz haviam dois bandidos, um deles blasfemava e o outro foi perdoado. Jesus multiplicou os pães, mas quando o quiseram fazer rei por conta disso, despediu a multidão e os acusou de interesseiros.

Assim, não se pode dizer que foram as prostitutas, os bandidos ou os pobres que Jesus acolheu, os outcasts. Mas sim, os penitentes.

Mas, penitentes, essa palavra quase desconhecida da nossa época...o que viriam a seesses penitentes?

O ladrão, a prostituta e tantos outros, reconheceram a existência de algo maior do que eles e a partir desse novo critério, perceberam que andavam mal. E a prostituta lavou os pés do seu mestre com as próprias lágrimas e o bandido, à beira da morte, soube levantar a sua voz para defender à sua honra e ainda fazer uma das mais belas profissões de fé da história...” Lembra-te de mim quando entrares no teu Reino”...

No fundo, somos como esses dois ladrões. E escolhemos a penitência ou a blasfêmia. A vida ou a morte. E mesmo que não tenhamos cometidos crimes graves, quando percebemos a presença de Deus e nos damos conta de todo o bem que poderíamos ter feito e não fizemos, nos reconhecemos não mais do que um ladrão. Um ladrão que recebeu o dom da vida para compartilhar com todos, mas que a guardou só para si.

E quanto mais nos aproximamos da luz, mais percebemos nossos defeitos, erros, vícios, imperfeições, mesmo que para os padrões desta época, que aliás são bem baixos, sejamos pessoas extraordinárias, grandes empreendedores, mães, pais, profissionais, etc...Santo Afonso de Ligório, o maior moralista da história da Igreja dizia que “quanto mais se varre, mais poeira se levanta” e ele, homem santo, soube ao fim da vida dizer: “que bom, não irei mais pecar”. Quanta arrogância, nós, “os certos”, acharmos que merecemos alguma coisa.

Mas quando fazemos penitência, batemos no peito e pedimos perdão, e olhando para cruz pedimos forças para sermos melhores, para sermos o que reconhecemos que não podemos ser sozinhos, oh glória! Oh alegria!

A Igreja soube elevar a adúltera penitente como a primeira entre as virgens. Na Ladainha de Todos os Santos, uma das ladainhas oficiais da Igreja, na parte das virgens, depois de Nossa Senhora temos Maria Madalena, a penitente. Esta mulher que o Evangelho diz que “muito amou e por isso muito foi perdoada".

Ao colocar a pecadora como a primeira no coro das virgens, a Igreja nos ensina que mais do que somente nos perdoar, Cristo deseja se dar inteiro a nós, todo o seu coração, toda a sua vida, não para que sejamos apenas perdoados, mas para atingirmos toda a plenitude de seu amor, como diz Santa Teresinha. E foi assim que a pecadora conseguiu ultrapassar muitos santos e atingir um dos lugares mais altos no céu, porque ela muito amou. Mas, poderíamos dizer, para muito amar, muito mais ela se deixou ser amada.

Na nossa época de vidas dilaceradas, é comum as pessoas desanimarem, desencantarem, viverem um plano B de si mesmas. Maria Madalena, a penitente, nos ensina que há um desígnio, um caminho, uma estrada superior que desconhecemos, um atalho secreto, que nos leva da morte à plenitude de nós mesmos. É preciso deixar-se amar.

E por fim, não poderia deixar de agradecer ao Duvivier, que achando que está chutando um cachorro morto, nos dá possibilidade de conseguir alguns leitores às custas dele. Afinal, como nossa popularidade não costuma ser muito alta, ele acaba aumentando o acesso a blogs e textos católicos com as suas polêmicas pelo menos no Natal e na Páscoa. A Igreja é uma bela jovem de 2000 anos, uma pessoa sensata vai pelo menos lhe pedir uma opinião.


Embora a Igreja não revide os ataques que recebe, como já se disse certa vez, é uma “bigorna que tem desgastado a muitos martelos”. E sobre essa história de onde está Deus, onde está a autoridade da Igreja, bem poderíamos responder: na sua consciência. Pois escrever sobre nós nas nossas festas, é uma coisa que até Freud explica.

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A CRISE SEPARATISTA NA CATALUNHA



A vitória parcial do movimento separatista na Catalunha que conquistou (somando-se todos os partidos pró-independência) 70 cadeiras e 48% dos votos contra 37 cadeiras do partido Ciudadanos, pró-Madrid, na última eleição parlamentar abriu uma nova temporada de tensão e angústia para o futuro da região e da Espanha. E embora este seja um problema eminentemente do povo catalão e espanhol, vale a pena um comentário nosso, brasileiros da periferia do Ocidente, por que afinal, o mundo e a humanidade são uma só.

O que chama a atenção nesse movimento, bem como a Liga Norte na Itália, de menor expressão, é seu caráter eminentemente econômico. Não estamos falando de raças, povos, línguas (talvez em menor grau) exploração e etc, mas de uma região rica que se ressente em enviar muitos recursos para as regiões mais pobres. Ainda que as regiões pobres da Espanha não sejam as nossas regiões pobres.
Não há dúvida de que seja justo questionar uma carga tributária excessiva e renegociar acordos e etc, mas ressentir-se de contribuir demais com o resto do país a ponto de buscar a independência...é este um argumento razoável no que conhecemos como mundo civilizado? Se a razão fosse história, uma necessidade de maior expressão cultural de um povo ou outra coisa do gênero, o debate me pareceria bem mais sensato e, como já disse, é algo estritamente relacionado às partes envolvidas. Mas o que eu queria debater aqui é a legitimação a nível global de argumentos pautados na ganância, no individualismo e no poder econômico. Seja nesses movimentos separatistas seja no nacionalismo econômico de Steve Banon que dá suporte à agenda de Trump. E já coloco aqui a ressalva que são coisas bem distintas, embora eu encontre este aspecto em comum.

Será que no final é isso que teremos? Os mais ricos se reúnem e se tornam “independentes” dos mais pobres?

Genovesi, pensador do humanismo civil italiano do século XVIII (se não me falha a memória com as datas), tomista e católico, ao colocar-se o problema da usura, ou da cobrança de juros sobre empréstimos aos pobres, diz o seguinte: “É justo cobrar juros do seu concidadão? Sim, desde que não seja um pobre. Pois o pobre tem o direito à ajuda dos seus concidadãos”. E, podemos concluir, a existência da cidade consiste justamente na solidariedade entre os seus concidadãos.

Ora, Aristóteles já dizia que somos animais sociais, que vivemos em cidades. Genovesi, mais além, vai dizer que homens só podem ser felizes em cidades. E Luigino Bruni, pensador católico contemporâneo dá ainda mais um passo ao afirmar que só podemos nos realizar plenamente por meio de relações gratuitas, como a amizade.

É ingenuidade pensar que seja outra coisa que move o mundo do que o autointeresse das pessoas. Mas para onde move esse mundo? Estamos mais felizes? Ou estamos transformando cada vez mais as cidades, e os países, em amontoados de pessoas, sem trocas simbólicas, sem fidelidade, sem história, sem felicidade? Se queremos movê-lo bem, não devemos voltar (embora nunca tenhamos tido uma era histórica perfeita) às coisas importantes, à solidariedade que cada pessoa deve ao seu vizinho, aos seus amigos?


Eu penso que comunidades independentes, autônomas, podem conviver harmonicamente umas com as outras, emergindo organicamente de acordo com as necessidades concretas de um e outro lugar. Mas quando o fundamento dessas comunidades é o próprio bolso, podemos encher os cofres, mas vamos terminar por esvaziar as cidades.

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PARÁFRASE DE SÃO MARTINHO DE DUMES (BRACARENSE)

Em tempos confusos, deve-se compreender as trevas a partir das coisas claras, parafraseando São Martinho Bracarense (O Tratado da Vida Honesta, Séc V).

Pois que a beleza da Igreja não cessa, não deixa jamais de ser adornada a Esposa de Cristo. E seus santos brilham tal como rubis, diamantes e jaspes e quais estrelas, mais refulgem quanto mais escura a noite.

O Esposo vem à noite, estejam as velas postas, o azeite preparado. Ele virá, já se ouve o rumor dos seus companheiros ao longe, Ele virá, e colocará sob seus pés tudo que não é belo, perfeito e puro.

Ele nos saudará com o ósculo da paz e seremos dEle e Ele será nosso.

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