A CRISE SEPARATISTA NA CATALUNHA



A vitória parcial do movimento separatista na Catalunha que conquistou (somando-se todos os partidos pró-independência) 70 cadeiras e 48% dos votos contra 37 cadeiras do partido Ciudadanos, pró-Madrid, na última eleição parlamentar abriu uma nova temporada de tensão e angústia para o futuro da região e da Espanha. E embora este seja um problema eminentemente do povo catalão e espanhol, vale a pena um comentário nosso, brasileiros da periferia do Ocidente, por que afinal, o mundo e a humanidade são uma só.

O que chama a atenção nesse movimento, bem como a Liga Norte na Itália, de menor expressão, é seu caráter eminentemente econômico. Não estamos falando de raças, povos, línguas (talvez em menor grau) exploração e etc, mas de uma região rica que se ressente em enviar muitos recursos para as regiões mais pobres. Ainda que as regiões pobres da Espanha não sejam as nossas regiões pobres.
Não há dúvida de que seja justo questionar uma carga tributária excessiva e renegociar acordos e etc, mas ressentir-se de contribuir demais com o resto do país a ponto de buscar a independência...é este um argumento razoável no que conhecemos como mundo civilizado? Se a razão fosse história, uma necessidade de maior expressão cultural de um povo ou outra coisa do gênero, o debate me pareceria bem mais sensato e, como já disse, é algo estritamente relacionado às partes envolvidas. Mas o que eu queria debater aqui é a legitimação a nível global de argumentos pautados na ganância, no individualismo e no poder econômico. Seja nesses movimentos separatistas seja no nacionalismo econômico de Steve Banon que dá suporte à agenda de Trump. E já coloco aqui a ressalva que são coisas bem distintas, embora eu encontre este aspecto em comum.

Será que no final é isso que teremos? Os mais ricos se reúnem e se tornam “independentes” dos mais pobres?

Genovesi, pensador do humanismo civil italiano do século XVIII (se não me falha a memória com as datas), tomista e católico, ao colocar-se o problema da usura, ou da cobrança de juros sobre empréstimos aos pobres, diz o seguinte: “É justo cobrar juros do seu concidadão? Sim, desde que não seja um pobre. Pois o pobre tem o direito à ajuda dos seus concidadãos”. E, podemos concluir, a existência da cidade consiste justamente na solidariedade entre os seus concidadãos.

Ora, Aristóteles já dizia que somos animais sociais, que vivemos em cidades. Genovesi, mais além, vai dizer que homens só podem ser felizes em cidades. E Luigino Bruni, pensador católico contemporâneo dá ainda mais um passo ao afirmar que só podemos nos realizar plenamente por meio de relações gratuitas, como a amizade.

É ingenuidade pensar que seja outra coisa que move o mundo do que o autointeresse das pessoas. Mas para onde move esse mundo? Estamos mais felizes? Ou estamos transformando cada vez mais as cidades, e os países, em amontoados de pessoas, sem trocas simbólicas, sem fidelidade, sem história, sem felicidade? Se queremos movê-lo bem, não devemos voltar (embora nunca tenhamos tido uma era histórica perfeita) às coisas importantes, à solidariedade que cada pessoa deve ao seu vizinho, aos seus amigos?


Eu penso que comunidades independentes, autônomas, podem conviver harmonicamente umas com as outras, emergindo organicamente de acordo com as necessidades concretas de um e outro lugar. Mas quando o fundamento dessas comunidades é o próprio bolso, podemos encher os cofres, mas vamos terminar por esvaziar as cidades.

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