Ontem minha esposa comentou comigo
a respeito de uma postagem no Facebook sobre uma marca de maquiagens que adotou
um modelo masculino, presumivelmente para vender maquiagem para homens, falou
sobre a imagem do rapaz maquiado, os comentários no Facebook e por fim sobre
uma carta do pai defendendo o filho. Interessante que esta semana também vi uma
chamada nessas TVs internas sobre o primeiro comercial da boneca Barbie que
apresenta o pai brincando com a filha.
Lembram daquele comercial de um
brinquedo ligado à engenharia para meninas, esses de “pequenos cientistas”, que
circulou na internet algum tempo atrás? Havia um comercial longo com meninas
entediadas, cansadas de “serem princesas”, que depois se divertiam de verdade com
o novo brinquedo. O brinquedo até que é interessante, quando vejo minha menina
de 6 anos brincando, de vez em quando, com a bancada de ferramentas do irmão,
vejo que o brinquedo pode ser mesmo interessante.
Alguns amigos fizeram comentários
entusiasmados com a ideia, falando sobre igualdade, diversidade e etc. Mas o
que me chamou a atenção foi que ninguém percebeu que a personagem que vende o
brinquedo na caixa é uma menina loira, com cabelo comprido e a caixa é toda
rosa. No final das contas, é apenas uma “princesa” vestida com um macacão de
trabalho, rs. Ou seja, sobre o pretexto de criar igualdade e etc, é apenas business. E um excelente negócio, pois
quando uma marca consegue vender um produto associado a apenas um sexo para
outro, dobra seu mercado.
E muitas pessoas tão críticas,
tão cultas, sequer perceberam que apenas caíram em uma peça de marketing. Ou,
que muitas vezes, a pretensa igualdade é feita no erro, no vício de um dos
sexos, e não nos acertos.
Vejamos o caso da maquiagem. É
verdade que os homens se maquiavam no passado, pelos menos até antes da
Revolução Francesa, que, aliás, se não me engano*, via isso como decadência e
degolou boa parte desses homens maquiados. Nossos novos revolucionários querem
se maquiar novamente em nome daquela mesma liberdade.
Mas a pergunta não é se os homens
devem se maquiar ou não, mas se as pessoas devem. Embora apresentada muitas
vezes como sinal de feminilidade, ou de beleza, a maquiagem serve para quê?
Para ocultar o corpo que tenho, seus supostos defeitos, e destacar aquilo que
os outros acham mais atraente. Ou seja, serve para esconder o que sou e ser o
que os outros querem. Bem, então qual é o sinal de autonomia nisso?
Alguém poderia objetar que, “mas
eu uso maquiagem para mim mesmo (ou mesma)”, bem, nesse caso, vale a belíssima
expressão, cheia de simplicidade e sabedoria, de Afonso Lopes Quintas: “Vejam
aqueles brincos que a aquela mulher usa, aqueles brincos não são para ela, são
para os outros”.
Claro, é preciso ter bom senso,
aquele bom senso que os racionalistas chamam de falta de conhecimento, mas que
os sábios, olhando de perto, entendem como complexidade. Não é porque a
maquiagem se assenta sobre uma base falsa que então iremos evitar toda
maquiagem. Se alguém vai a uma festa de casamento, por exemplo, pode soar rude,
como falta de cuidado, não se arrumar para a festa que alguém preparou com
tanto cuidado. E as pessoas em geral não fizeram a reflexão acima.
Arrumar-se para mostrar a alguém,
dentro da cultura e dos costumes dela, embora estes possam ter erros e
inverdades, é muito válido. E é aqui que entra o bom senso, pois ainda que
façamos “conforme o costume”, ainda dá para mostrar os excessos desse costume e
discutir, por assim dizer, outros valores, ou verdadeiros valores, na forma
como nos vestimos, nos portamos e, eventualmente, nos maquiamos. Assim como faz
todo sentido um apresentador de TV ser maquiado para contribuir para a clareza
da imagem que vai ser gravada.
Mas se me maquio apenas para
atrair para mim as mesmas cadeias e prisões que pesam sobre as mulheres, qual o
sentido disso? Ainda que o faça de forma inconsciente.
As pessoas simples, o que não
quer dizer ignorantes, isto é, aquelas que não foram formadas pelas nossas
universidades e pelos canais e propagandas de marketing americanos, e que são cada vez menos numerosas, sabem que
meninos e meninas naturalmente se associam por afinidades comuns, ainda que
estas variem um pouco de um lugar para outro. E que também sempre há uma menina
mais “moleca”, por assim dizer, ou um menino que “não goste de jogar futebol” e
etc. Ou seja, que toda regra tem sua exceção.
Ou como se diria em estatística,
que em torno de uma média, há uma distribuição normal para vários fenômenos
aleatórios. Ou seja, muitos se comportam de maneira parecida, com poucos
extremos dos dois lados em boa parte das coisas da vida.
Ao tentar criar uniformidade,
todos são iguais em tudo, todos fazem tudo, não há diferenças, aí sim criamos
uma regra, artificial, que desmantela a organicidade e a liberdade da vida. Com
um pouco de tempo e esforço dá até para modelar essa uniformização matematicamente,
justamente porque é artificial.
Li esses dias que a venerável Irmão
Dulce, o Anjo Bom da Bahia (e do Brasil), adorava jogar futebol quando menina, e,
aliás, parece que jogava bem. Isso na Bahia, no começo do século passado. Até o
dia em que o primeiro encontro com a pobreza, graças a uma tia que visitava os
bairros pobres e que levou ela junto. Quer dizer que a Irmã Dulce não era uma
boa menina? Claro que não. Pelo contrário, é uma das maiores mulheres da
história do nosso país. Mas não existia a menor necessidade de empurrar uma
bola para ela, porque ela já era livre.
A liberdade nasce de dentro, não
vem de fora. E é isso precisamos ensinar urgentemente às crianças.
*Eu não tenho muita certeza sobre
esse ponto e não tenho as referências fácil, agradeceria se alguém pudesse
comentar a respeito.