Depois de escrever o post achei que não ficaram tão breves assim
A Folha de São Paulo publicou uma resposta de Judith Butler aos eventos do SESC Pompeia. Vale a pena ler a resposta antes destes comentários. E quero comentar por que acho este episódio de Culture Wars vale algumas palavras, além de Judith ter somado mais alguns pontos para o seu lado. É uma pensadora sagaz, de um movimento extremamente organizado e muitas pessoas entram nessas questões como completos amadores.
O evento não trazia no título as discussões sobre gênero da autora. Embora seja evidente que por ser uma autora renomada mundialmente por este assunto, esperava-se exatamente que ela abordasse o tema. Foi pensado ainda para este momento em que se começam a delinear os candidatos para 2018. Ora, uma oposição ao evento, "que sequer fala de gênero " (já que não está no título, não é?) só pode ser pura intolerância...como a que tem acontecido nos EUA, na Europa e todo ressurgimento de uma direita de discurso agressivo...pronto. Está feita mais uma campanha de graça para os ideais que defende e, pasmem, dos quais ela nem veio falar. Um evento que poderia ser no máximo uma nota na Folha, se tornou uma manchete de repercussão global.
A autora, que afirma NÃO ser uma estudiosa do cristianismo, fez uma série de afirmações sobre a Igreja Católica. Citou Bento XVI, a inquisição e escândalos internos. Imagino o que ela teria dito se fosse uma especialista. As imagens da reportagem, por sua vez, apontam uma série de atos grotescos e desrespeitosos, realmente infelizes em relação ao respeito que se deve à autora, concorde-se com ela ou não, e como a Igreja Católica é citada, deduz-se que são católicos. Mas não são. Caímos, mais uma vez, em um discurso pronto, como completos amadores.
Ao citar Bento XVI a autora insinuou que o uso do termo ideologia de gênero foi cunhado para desviar a atenção da sociedade dos escândalos da Igreja para outras questões sociais. Bem, quem tem o mínimo de conhecimento sobre as questões internas da Igreja sabe isso é um completo absurdo. Bento XVI foi justamente o papa que mais expôs a Igreja nesse sentido, o próprio Papa Francisco o disse esses dias, inclusive, foi ele quem condenou publicamente um importante personagem católico, quando o assunto já estava por vias de ser esquecido.
A Sra. Butler fez questão ainda de citar Salem (que foi um evento protestante) e, claro, a inquisição. Inquisição aliás que está morta há pelos menos 300 anos. Mas, como todos sabemos, segundo o mito, na verdade calúnia, que se propaga sobre a Igreja, até os dinossauros foram queimados na inquisição. E ninguém se refere a ela como o processo complexo, sem negar erros lamentáveis, que foi. Claro que ela ainda fez a gentileza, bem sagaz, de defender os que de dentro da Igreja sempre se opuseram a esses "erros", ou seja, os que concordam com ela. E tentou jogar assim nosso pobre Papa emérito para um corner ideológico.
Fez menção ainda às bruxas, que no fundo seriam libertárias sexuais. E que foram mortas pela "Igreja repressora". E ela NÃO estuda o cristianismo. É bom lembrar. Ela faz ainda comentários teológicos dizendo que as bruxas não existem. Bem, eu discordo. Pode-se abusar da verdade usando o demônio como bode expiatório, é verdade, pero que hay, hay.
A autora, contudo tem um ponto. Os erros dos católicos, de fato, minam sua autoridade moral. E não é de se estranhar que todas as mudanças em termos de políticas de família tenham se dado, juntamente, nesse período, que sob esses aspectos talvez seja um dos mais sombrios da história da Igreja.
Foi construída a narrativa de que a oposição às novas políticas sociais que têm surgido se fundamentam no medo irracional que temos da liberdade das pessoas e por uma obsessão a fazê-las viver vidas que não suportam. E a sociedade já comprou esta versão.
E embora a autora tenha mencionado os casos, raríssimos aliás, de pessoas que sofrem por questões de identidade, todos nós sabemos do que se trata o assunto. É a respeito da liberdade sexual e da educação de crianças dentro dessa suposta liberdade que queremos debater. Com honestidade, em paz e com argumentos.
Todos nós sabemos que há casos, raros, de pessoas que de fato sofrem, e sofrem muito, com questões relacionadas a esse tema. Todos nós concordamos que merecem ser acolhidos, que o tema merece ser estudado e que, podem sim, haver casos que parecem violar as regras que conhecemos da natureza. Ninguém discorda disso. Mas estes casos são usados como ponta de lança, para abrir caminho para outras coisas, a ideia de amor-livre, do começo do século XX, que foi se metamorfoseando para uma suposta defesa de liberdade.
Bem, mas qual é a maneira de entrarmos então neste debate?
O ponto é que fazemos uma afirmação muito forte para a sociedade contemporânea. Eles simplesmente não conseguem ver o que dizemos. E soa como se fôssemos simplesmente contra algo que duas pessoas livremente escolheram fazer. O desafio deste ponto é que temos que provar que embora se possa sentir alguma satisfação e apesar não conseguirmos muitas vezes elaborar logicamente o que se passa, existem as virtudes da inocência e da pureza que levam o ser humano para outro nível de relação consigo mesmo, com os outros e com Deus.
Mas como? Se mesmo Santo Agostinho, um dos maiores doutores da Igreja, afirmou que certas virtudes só se alcançam como um dom de Deus? Como explicar isso para aqueles que assumem que sequer Deus existe?
É preciso mostrar, mostrar para essa geração inquieta e irritadiça, que São Tomás aliás previa como consequência natural dos erros que cometem, que existe paz.
Será um argumento muito forte dizer que a consequência desse modo de viver é justamente a paz que não têm? Não é isso que vemos em todas as manifestações e suas inúmeras profanações de Igrejas e símbolos católicos? Não me lembro de ter sido convidado ou de ter visto algum evento em que fomos chamados a apresentar nossa opinião e fomos ouvidos com serenidade e nos surpreendemos como quão bem fomos acolhidos... Talvez os 5 min de televisão ou a foto em uma entrevista enganem, mas qualquer pessoas que tenha convivido de perto com o tema sabe da inquietação que está dentro dessas pessoas.
Não pretendo aqui julgar. Ad intra nec Ecclesia (não me lembro da grafia correta), ou seja, o interior do coração dos homens nem a Igreja conhece. O próprio catecismo afirma que mesmo pecados gravíssimos podem ter atenuantes tão grandes que a culpa pode ser mínima. E há ainda um outro ditado que diz que "no inferno há muitas almas virgens, mas não há nenhuma que seja humilde". E muitos santos, como o próprio Santo Agostinho, tiveram uma vida bem complicada.
Mas isso não significa que não devamos tratar os temas com clareza, dando nomes aos bois, por amor à justiça e à verdade.
E como mostrar? Infelizmente, mesmo entre nós, quantos abandonaram a pureza e a inocência? E caem por sua vez na mesma inquietação...só quem teve a incalculável graça de não ter caído nesses pontos ou a graça também enorme de ter lutado e ter vencido, sabe o que é esta paz.
Pois então aumentemos nossas próprias fileiras. Se formos o que devemos ser, e seremos, com a graça de Deus, olharão para nossa cidade como os animais que buscam a lua na escuridão. E poucas explicações serão necessárias. Não importa quantos pregos queiram colocar no caixão da Igreja, ela ressuscitou com seu Amado e está sempre viva, é imortal. Não é este o nosso problema. É justo, é lícito, defender-nos, com sabedoria. Mas o mais importante é sermos. Foi assim que muitos impérios se curvaram. Não será diferente agora.